quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

O conto abaixo está no livro A coleira no pescoço, editado pela Bertrand Brasil, em 2006.

Os sapatos de meu pai

O dia começou completamente sexta-feira, pensei enquanto levava o saco de lixo para a calçada. Um céu úmido chuviscava irritação sobre a cidade indefesa e fria, obrigando-me a proteger o rosto do vento molhado e escolher o lugar onde punha os pés. As lojas vizinhas também levantavam suas portas onduladas. Minha rotina dos dias pares, nossa escala entre as balconistas.


A três passos do poste, junto ao qual deixaria minha carga, dois sapatos largos e sujos, tamanhos, o direito esfregando-se na guia para se livrar do barro. Meu sangue parou e todo meu corpo também. Só meus olhos mantinham alguma vida, mas não ousavam subir além de dois palmos das pernas. O medo grudava-me no céu da boca um gosto indeciso entre o morno e o frio. Qualquer coisa amarga em uma colher: toma, minha filha, vai te fazer bem. Eram os sapatos de meu pai. Por tudo que sei dele, eram os sapatos de meu pai.

TEXTOS DE AMIGOS

O poema que segue é de autoria do poeta Alfredo Rossetti, de Ribeirão Preto, e está no livro LUZ DE ALPENDRE, a sair em maio.


ANIMA

Escamoteio a vida à Ulisses/Bloom;
espertos sorrisos à deriva.
(Nunca fui o que me escolheram ser.)

A razão de minha alegria:
desconhecimento que acolchoa
o infindável retorno
à solidão de tantos rostos em redor.


Descubro-me em mote:                                
sou eu quem teço e desteço.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (41)

Vítor Manuel de Aguiar e Silva. Teoria da Literatura. 6ª ed. Livraria Almedina: Coimbra, 1984.

Depois de desenvolver a ideia dos sistemas modelizantes primário (a língua natural) e secundário (literatura, p.ex.), o autor afirma que o sistema modelizante secundário, sendo um código dentro do sistema modelizante primário, tem seus próprios códigos.
Na postagem de número 40, iniciamos a descrição desses códigos pelo fônico-rítmico. Continuando a descrição dos códigos:

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

VEIA BAILARINA (3)

No último domingo, 24/02/13, o grupo de leitura Dom Quixote reuniu-se para discutir o livro do mês: Veia Bailarina, do Ignácio de Loyola Brandão.

Não vai aqui um relatório exaustivo do que se constatou com a leitura, mas a opinião deste que vou escreve sobre pontos que lhe chamaram a atenção.

Não que fosse mero pretexto, a cirurgia, mas o autor vale-se da oportunidade para fazer um amplo balanço da vida brasileira, sobretudo da vida cultural do Brasil na época em que passou pelo terrível drama de descobrir-se aneurismático. A proximidade da morte, dizem, provoca tais balanços de maneira vertiginosa. Portanto, há uma articulação necessária e verossímil entre o tema principal e as digressões do autor.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

CARTA CAPITAL | MERA COINCIDÊNCIA

Acesse a publicação original


O hábito diário de ler jornais começava a me entorpecer o espírito crítico, tal a recorrência com que se encontram neles certas notícias. A leitura dos clássicos, então, não é apenas um périplo em busca do prazer, mas um antídoto para o torpor. E foi assim que cheguei ao Padre Antônio Vieira.

Sei que nem todos têm a obrigação de conhecer esse padre, ele é muito antigo. Tenho alguns amigos que o conhecem, como é o caso do José Pedro Antunes, professor do Departamento de Letras da UNESP de Araraquara, e do Deonísio da Silva, hoje vice-reitor da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro. Mas eles, é claro, têm a obrigação de conhecer. Para quem não conhece, deve-se alertar que esse padre, o Vieira, nasceu em Lisboa, em 1608, e foi criado em Salvador-BA. Depois de ter incomodado poderosos por cá e por lá, onde havia nascido, veio morrer no ano de 1697 na que ele considerava sua segunda pátria.

O CASARÃO VENCE A ENQUETE DO BLOG O SIMBOLISTA


                            Confira o resultado na imagem abaixo
                                              (Acesse a publicação original)



domingo, 24 de fevereiro de 2013

FRAGMENTO DE UM ROMANCE JUVENIL

O fragmento abaixo é do romance juvenil Como peixe no aquário, publicado em 2004 pela Edições SM.


Todos os sacrifícios que teve de suportar, os sustos de todos os dias, os olhos abertos do remorso e as noites de insônia, teriam valido a pena? A resposta está lavando-se na pia dos fundos. Meio corpo enfiado no balcão, Rita ouve imóvel as gargalhadas da água. 


Seu Filinto volta dos fundos enxugando ainda as mãos uma na outra, como se estivessem molhadas, forcejando por eliminar de seus pensamentos qualquer idéia iníqua. Mas seu rosto vermelho é o mesmo da chegada, com o semblante refulgente e vitorioso. Ao passar por trás de Rita, diminui o passo e a mede por baixo da roupa, imaginando. O pensamento da balconista encolhe-se porque ela adivinha-se devorada. Então ele pára e pergunta:

sábado, 23 de fevereiro de 2013

LEITURAS NECESSÁRIAS

Há livros cuja leitura passamos décadas nos prometendo e, atropelados pelo tempo e suas exigências, vamos protelando até que chega uma hora que não dá mais.

É o que me vinha acontecendo com o Eusébio Macário. Camilo Castelo Branco, mais conhecido por seu ultra-romantismo, e Amor de perdição é seu ícone, por derrisão fez suas incursões pelo Naturalismo, de que o romance acima é um exemplo.

Ficava um pouco encabulado ao falar sobre essa aventura naturalista do autor aos alunos, mas ninguém percebia o funcionamento da minha consciência, ao me lembrar de que estava falando de um livro que desconhecia. Repetia apenas o que os manuais e livros didáticos afirmavam, sem ter comprovado na fonte.

Pois bem, livre de alguns compromissos de leitura, de alguns, não de todos, resolvi que, finalmente, tinha chegado a hora do boticário Eusébio. Minha sorte: os manuais e livros ditdáticos estavam certos. E isso se descobre já na primeira página, da qual extraio o texto exemplar abaixo.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

EM VIAGEM


Mês de março, recomeçam as viagens.

Já estou com dois convites agendados. Em Peruíbe vou participar do Projeto Caravana de Escritores, da FBN, por sugestão da Oficina Cultural Vale das Artes.

Em seguida, devo estar em Batatais, participando da I Feira do Livro de Batatais, a convite da Secretaria da Cultura dessa cidade. 




UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

O conto abaixo é do livro À sombra do cipreste, vencedor do Jabuti 2000 (livro do ano ficção) e reeditado (6ª edição) pela Global em 2012.

                                                            O banquete

“Atraído pela melodia, Gregor

foi-se arrastando para a frente, e en-

compridou a cabeça para

dentro da sala.”

A Metamorfose, Franz Kafka


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

TEXTOS DE AMIGOS


                           O poema abaixo é da minha amiga Mara Senna, poeta premiada de Ribeirão Preto, autora dos livros Luas novas e antigas e Ensaios da tarde.
  Fadiga

As palavras úmidas
regurgitam
lúbricas,
cálidas,
urgentes.
Reclamando ouvidos,
revelando segredos,
serpenteiam em formas
túrgidas,
loucas,
lascivas.
Esgotam-se em salivas.
E, por fim,
fatigadas,
roucas,
passivas,
vêm repousar
no suor,
no sêmen,
no sono
e
no silêncio.

in Ensaios da Tarde, 2012.

Menção Honrosa no Concurso Nacional de Poesias Helena Kolody, Paraná (2010).

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (40)


(Livro  em debate: Teoria da Literatura de Víitor Manuel de Aguiar e Silva)


 


O autor, empreende a descrição dos códigos literários, depois de conceituar a língua, isto é, o sistema modelizante primário como um sistema de sistemas (semântico, léxico-gramatical, fonológico).

De acordo com tais sistemas a língua passa por variações (regionais, dialetos sociais, situacionais).

Pág. 100 - "O sistema e o código literários, ao constituírem-se sobre o sistema e o código linguísticos, incorporam eo ipso a heterogeneidade semiótica destes últimos - nuns casos, esbatendo e minimizando alguns dos seus aspectos, noutros casos, pelo contrário, fazendo-a avultar funcionalmente (por exemplo, na chamada literatura regionalista) - e manifestam, em conexão com aquela heterogeneidade, ou com forte autonomia em relação a ela, a sua típica heterogeneidade semiótica.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

VEIA BAILARINA (3)

Domingo que vem, 24/02, será nosso encontro para comentar a leitura de Veia Bailarina, este belo depoimento do Ignácio de Loyola Brandão.

Depois de descobrir que realmente é portador de um aneurisma cerebral, inicia-se o período torturante e de hesitação entre a esperança de que não seja necessária uma cirurgia e o desengano dos médicos consultados. Mas a vida continua. Transcrevemos abaixo, alguns trechos exemplares:

Pág. 78 - "Nem parece que vivo numa cidade povoada por aneurismas mortais. De repente, com o revólver na mão, estoura à sua frente, na entrada de casa, no cruzamento das ruas, na saída do caixa eletrônico, sentado num bar. Tendo sorte, entrega-se a carteira, cartões magnéticos, cheques, relógios e pode ser que se saia ileso."

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

SAIU NO JC - SOBRE O MERCADO EDITORIAL DE RIBEIRÃO PRETO




CARTA CAPITAL | PROFISSÃO: ESCRITOR



Leio na Publishnews de 15 de fevereiro que o Luiz Ruffato se considera um profissional da literatura. Muita gente deve ter-se sentido mal com a declaração do Ruffato.

Isso me lembra uma entrevista que tive com o Caio Graco, nos idos de 1970, lá na Editora Brasiliense. Era meu primeiro conto publicado por uma editora (volume 6 da coleção Contos Jovens), meu primeiro cheque de direitos autorais. Em nossa conversa, o Caio, com sua longa vivência de editor, me dizia que um dos defeitos dos escritores brasileiros era não se assumirem profissionais da escrita.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

ANTES DA MEIA-NOITE

Fragmento do romance juvenil Antes da meia-noite, publicado pela Editora Ática em 2007.

(...)
Começo a entender a meiose e os cromossomos, mas me parece uma brutalidade sacrificar a mãe por duas filhas. Não vou comentar minha opinião com ninguém porque muitos daqui já olham torto para esta mania de reformar o mundo. Cito e logia, entenderam? E logia uma batida de leve à porta. Pequena cela que resultou em célula. As batidas agora são mais fortes e prolongadas, mesmo assim, dona Carla, empolgada, nada ouve.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

EM GRENOBLE, NA FRANÇA









Eis a Natali Costa, cujo corpus do doutorado são estes dois romances assinados por mim.
Os créditos já estão completos, mesmo assim a Natali resolveu fazer um curso em Grenoble, na França, sobre fluxo de consciência. Ela já está aprontando as malas, pois seu curso vai de setembro a janeiro. Eis, portanto, que estou aportando no Velho Mundo. Se não vou eu, vão estes meus dois livros. E, se duvidar, vou também até Grenoble para conheceer seu ambiente universitário. Já estou convidado para conhecer a doutora que vai ministrar o curso.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

O conto a seguir está no livro inédito O peso da gravata e outros contos.

Uma dor atravessada no peito

 E o que é mesmo que o senhor está sentindo?, foi como a recepcionista me assustou, porque aquilo, na frente dela, era uma ficha que ela estava preenchendo, minhas respostas se era minha primeira consulta, meu nome completo e onde poderia me encontrar em caso de necessidade, como se eles, todos eles da clínica, pudessem ter um caso de necessidade. E também a quem deveriam avisar em caso de, porque enfim, se eu vivia sozinho, nenhum parente? 

A pergunta me pareceu fora de um contexto apropriado e ficou algum tempo sem resposta porque nome de rua e número de telefone não precisam de interpretação e têm enunciados prontos, bastando abrir uma boca automática e mover queixo e lábios, mas agora não, agora era preciso procurar atalhos na linguagem, veredas pouco usadas, agora eu dependia de invenção para enunciar uma realidade que a mim mesmo parecia extremamente escorregadia, podendo ser mais ou podendo ser menos, que os limites oscilam sem parar, dançando sobre a superfície das significações.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

TEXTOS DE AMIGOS

O poema desta semana é da minha amiga Eliane Ratier, coordenadora do Núcleo Ribeirão Preto da UBE.


Não!

Não vou morrer antes que o outono venha.
Não sem antes sorver as frutas de madurosas pencas
colecionar poentes de cores várias
impossível escolha em inigualáveis paletas.

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (39)

Houve um pequeno engano na numeração das "questões". Na última postagem, demos o número 34, quando deveria ser 38, se quisermos prosseguir na sequência das postagens mais antigas. Retomando o que já vínhamos fazendo, estamos na postagem número 39.

A principal questão que se coloca quando se quer estudar a estética da literatura é exatamente a identificação do que é e o que não é literatura. Caso contrário, não se pode afirmar característica nenhuma como sine qua non, pois a abertura excessiva permitiria que tudo coubesse no conceito de literatura. A imprecisão não nos ajuda.
Eis aí por que voltamos ao livro de Víctor Manuel.
E ultimamente o autor introduziu a ideia dos sistemas modelizantes, primário e secundário. A língua natural como sistema modelizante primário e a literatura (seus códigos e signos) como sistema modelizante secundário.
Então prossigamos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

VEIA BAILARINA (2)

A primeira postagem sobre o livro saiu com o título LEITURA DO MÊS. Explico: nosso grupo de leitura escolhe um livro por mês, todos nós o lemos e no último domingo, das 9 às 11h, cada um dá suas impressões sobre o que leu.
Em fevereiro estamos lendo VEIA BAILARINA, deste senhor aí ao lado, o Ignácio de Loyola Brandão.
Passada uma semana, e para quem não se animou ainda a ler, resumo:

"O chão foi para o lado direito, inclinei-me para o esquerdo. Virei-me para o direito, o chão subiu. Quem está bêbado, o chão ou eu? Tolice sem graça. Ri desajeitado, acordo bem-humorado. Mal tinha ideia de que estava iniciando um período de vida que me levaria ao terror absoluto."

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

CARTA CAPITAL | CARA DE ANJO



Só não falei com as plantas. De tudo que me sugeriram, só isso faltou. E não falei, por uma espécie de constrangimento moral. Me senti na situação de quem pega o telefone ao contrário e tenta falar pela concha receptora. Isso nem o Deonísio, meu vizinho de origem e meu primo, e que ultimamente vem tendo sérios problemas com o satanismo de alguns objetos caseiros amotinados contra o dono, isso nem ele faz. Poderia até tentar, apesar de minha arraigada descrença em comunicação intergenérica, mas imaginei alguém passando naquele exato momento e o que poderia sair por aí dizendo a meu respeito na vizinhança, onde já não desfruto de grande prestígio.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

OS SUSTOS DE GALINDA

   Dona Galinda com febre

O sol nem tinha nascido e o galo, no poleiro, cantou mais três vezes. A maioria das galinhas e dos frangotes não esperou outro sinal e, num salto de asas abertas, já estavam fora do galinheiro, olhando para os lados, tentando ver o dia que o galo vinha anunciando.

Num canto, encolhida lá no alto, perto do telheiro, Galinda apertava e afrouxava as pálpebras que teimavam em se manter fechadas. Ela abriu o bico, espirrou, enfiou a cabeça debaixo da asa e descobriu que estava com febre. Já tinha ouvido falar naquilo, mas sentir pela primeira vez é sempre motivo de preocupação: uma surpresa.


sábado, 9 de fevereiro de 2013

AQUARELAS


Iluminuras 19

 
Aberta, a janela dá passagem para a entrada do mundo. Por ela a casa respira a humanidade. Aberta sobre o mar e terras distantes, todavia, a janela permite que a imaginação viaje para além do apenas possível.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA


 Caminhos cruzados

"- Mais imunda do que as cadelas e as fêmeas dos javalis, tu prostituíste aos pagãos e aos heréticos um corpo que o Eterno fizera para ser um tabernáculo. E as tuas impurezas são tais que, agora que conheces a verdade, não mais podes unir os lábios ou juntar as mãos sem que a mágoa de ti mesma te nauseie o coração."

                                                                                                           Anatole France, Taïs.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

TEXTOS DE AMIGOS


O poema que segue foi tirado do livro poesia de telhado, do meu amigo João Augusto, editado em 2012 pela Editora Escrituras.


O bem amado

Essa falta de ordem
Essa pressa de nascer
De uma gente amontoada
Sobre meus ombros curvos e magros
(Com quantos anos eu estava ontem
Quando perdi meu álbum e minha
castidade?)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (34)

Depois de extenso intervalo, resolvemos retornar às postagens das questões de estética da literatura.

E para este reinício, nada melhor do que a transcrição do § 50 do capítulo IX da Poética de Aristóteles.

"Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é posível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (pois bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser história, se fossem em verso o que eram em prosa) - diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois refere aquela principalmente o universal, e esta o particular. Por 'referir-se ao universal' entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que, por liame de necessidade e verossimilhança, convêm a tal natureza; e ao universal, assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes às suas personagens; particular, pelo contrário, é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu."


Numa adaptação necessária, em virtude dos mais de 2.300 anos que nos separam da produção da Poética, entendamos "poeta" como "escritor de literatura", e "historiador" como "jornalista". Na época em que viveu Aristóteles, tais termos não existiam.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

LEITURA DO MÊS

O Grupo de Leitura Dom Quixote, em sua reunião do último domingo de janeiro, escolheu como leitura para o mês de fevereiro o livro Veia bailarina, de Ignácio de Loyola Brandão.

Convido a todos vocês a acompanharem a leitura do livro. Semanalmente, sempre às terças-feiras, pretendo postar impressões do que está sendo lido.

Antecipo, para que não haja expectativas descabidas, que não se trata de obra ficcional, gênero que tornou o Loyola um escritor bastante conhecido. E reconhecido. É um depoimento auto-biográfico, leitura tão deliciosa quanto comovente.

Enfim, uma bela obra a revelar um belo ser humano.

Vale a pena ler.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O CASARÃO NO JORNAL A CIDADE, DE RIBEIRÃO PRETO


MENALTON E  O CASARÃO
                                             (*)Ely Vieitez Lisboa)

         O Casarão da Rua do Rosário (Editora Bertrand Brasil, 2012), livro mais recente de Menalton Braff, apresenta características muito específicas: o clima sombrio, distanciado da realidade, para recriá-la, o estilo solene, clássico, a linguagem bem cuidada. Nem o abundante emprego da próclise, até no início das frases, talvez para dar certa descontração, consegue burlar o tom da narrativa exímia, séria.      O tempo violentado da trama dá modernidade ao romance. No final, o quebra-cabeças montado realça a história de Palmiro e de sua família. Na realidade, as personagens principais são a família e o Casarão. Fica uma sensação que se explora pouco o mundo interior do herói. É como se, fechado em uma moldura, se enfatizassem mais as bizarras mulheres do Casarão e uma época conturbada.

CARTA CAPITAL | MEU PORQUINHO-DA-ÍNDIA

 

Conversar com poetas pode ser perigoso porque o resultado podem ser crônicas e outros cometimentos. Principalmente se o poeta é um ser que desceu ao mundo em um feixe de luz, como alguns que eu conheço e que têm o polegar verde. Hoje de manhã conversei com um que ameaça aposentar o polegar por absoluta inutilidade. Então o poeta me contou que nos tempos de sua infância havia mais verde e muito menos poluição. As crianças brincavam de roda e não visitavam psicanalista. Acabou de me dizer isso e sumiu nos seus primeiros anos de vida. Foi por causa dele que viajei até minha infância, viagem que os poetas fazem com a maior facilidade.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

       O Gorro do Andarilho

- Me dá! – repete com voz envelhecida e olhos grisalhos, sem brilho.
Como resposta, uma gargalhada sem dentes e de barba suja, desgrenhada.
Seu gorro de lã, como um sol colorido na cabeça do Gordo, foi a primeira coisa que viu quando acordou. Então pediu uma primeira vez, a mão teimosa estendida. Era seu gesto antigo, de sete anos, repetido desde a perda do emprego e da família, quando se viu sem lugar onde dormir, senão os ninhos que fazia com a noite escorregando do céu. Ali mesmo, na beira da estrada, ou debaixo de qualquer ponte, abrigado.
Não gostava do Gordo, porque falava demais com sua boca e contava umas histórias de vida que não poderiam ser dele. Era um mentiroso ocupando lugar nos acostamentos. E andava rápido, com seu tamanho, como se tivesse aonde chegar. Não gostava. Além de mentiroso, era abusador, por se julgar um maioral. Pois apesar da ojeriza pelo companheiro, não era a primeira vez que partilhava com ele seu almoço debaixo daquela mesma gameleira.