terça-feira, 22 de julho de 2014

PARA DEGUSTAR

Fragmento do livro "Que enchente me carrega", de Menalton Braff.

"Volto pra mim, meu corpo macerado, as mãos cuja semelhança muitas vezes me assombra, os calos e cortes, e percebo que de nada adiantou suportar vendavais, porque os galhos secos e retorcidos deixaram há muito de florir na primavera. E se permanece de pé, o tronco nodoso, é que as raízes secas ainda não apodreceram.

Passo a mão pela testa − dedos ásperos, ferramentas − desmancho as rugas e afasto os pensamentos de autocomiseração. Nem tudo acabou. Daqui a pouco chega dona Rosário me oferecendo os pés: Ficou divino, Firmino, o mais belo que já calcei. De joelhos em sua frente, vou novamente fruir de seu perfume, me enredar em sua voz. É isto, viver?


Não sei quanto tempo estive aqui parado, à espera, à espreita espiando, mas agora é ela, sim, a manhã que chega, finalmente. Esta claridade macia desenhando as frinchas da veneziana, passarinhos roucos limpando a garganta, a voz dura do verdureiro exercendo autoridade sobre seu pobre rocinante. É ela, sem dúvida. Já posso deixar a cama."

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