quinta-feira, 25 de setembro de 2014

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (112)



Jean-Louis Baudry
Pág. 245 - "A eliminação radical do emissor/autor proclamada por Jean-Louis Baudry representa uma manifestação específica de um processo filosófico e ideológico mais amplo e profundo que atingiu o seu zénite exactamente na década de sessenta do século actual (passado).  A crise do sujeito e, mais particularmente, a crise e a destruição do sujeito cartesiano, racionalista e individual, sob as suas diversas formulações filosóficas e jurídico-ideológicas e nos vários domínios da teoria e da acção. Múltiplos vectores, por vezes antagónicos ou alheios entre si, quer pela sua matriz e pela sua fundamentação, quer pelas suas consequências teóricas e práticas, confluíram neste processo de destruição ou, pelo menos, de questionamento e de corrosão do sujeito: o taedium historiae, ou seja, a desvalorização e a negação da história, acompanhadas de uma crescente relevância conferida aos métodos e operações de análise formal e lógico-matemática, manifestou-se na filosofia, na estética, na linguística e noutras ciências humanas desde o início do século XX, revelando-se esta crise da consciência histórica como indissociável do enfraquecimento e da desagregação do conceito de sujeito histórico e do próprio conceito do 'eu';
a psicanálise freudiana, (p. 246) ao demonstrar a existência, sob a superfície do eu considerado como entidade coerente, estável e homogénea, de uma complexa e conflituante topologia psíquica em que o inconsciente, o outro , dotado  de uma dinânica peculiar, interfere continuamente com o consciente, impôs uma ruptura dramática com a concepção tradicionalmente aceite de personalidade; no marxismo contemporâneo, principalmente sob a influência de Althusser, difundiu-se a categoria de 'processo sem sujeito', que nega a existência de um sujeito 'livre' e 'constitutivo' dos seus objectos e que condena a noção de Sujeito como equivalente idealista da noção de Essência (identificada, por sua vez, com as noções de Origem e de Causa); a 'ontologia hermenêutica' de Heidegger, como vimos, anulou o sujeito na impositividade primordial e universal da linguagem;  o estruturalismo, em geral, mas em particular o estruturalismo de Lévi-Strauss, desembocou num determinismo e num reducionismo que levam a configurar o 'espírito humano', a sua actividade e as suas expressões como objectos e processos modelados 'pelas leis incoscientes dos sistemas semiológicos' que operam no 'espírito' e com o 'espírito'. Michdl Foucault, bem consciente da filiação nietzschiana da destruição do 'eu', afirmava em entrevista realizada pouco depois da publicação de Les mots et les choses (1966): 'Tínhamos considerado a geração de Sartre como uma geração valente e generosa, que tinha optado apaixonadamente pela vida, pela política e pela existência... Nós, em contrapartida, descobrimos para nós algo de diferente, uma paixão distinta: a paixão pelo conceito e pelo que eu chamaria o 'sistema'... A ruptura efectuou-se quando Lévi-Strauss, falando das sociedades, e Lacan do inconsciente, assinalaram que o 'sentido' provavelmente não é mais do que um efeito de superfície, como uma espuma; que o que mais profundamente nos penetra, o que existe antes de nós, o que nos sustenta no tempo e no espaço é precisamente o sistema... O 'eu' está destruído - basta pensar, por exemplo, na literatura moderna -; agora trata-se de descobrir o 'há'. Há um 'se', impessoal. assim volvemos, de certo modo, ao ponto de vista do século XVII, embora com uma diferença: o que se põe em lugar do homem não é o homem, mas um pensar anónimo, um conhecimento sem sujeito, algo de teórico sem nenhuma identidade...'"

(CONTINUA)                                                                 



Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças