segunda-feira, 2 de março de 2015

CARTA CAPITAL| AGORA INÊS É MORTA


Agora Inês é morta

Qual a origem da expressão presente na obra de Luís de Camões? 

Que a expressão significa alguma coisa como tarde demais ou algo parecido, isso toda gente sabe. Um prazo vencido, uma oportunidade perdida, algum acontecimento irreversível, e lá vem alguém e diz: Agora Inês é morta. Quantas e quantas vezes cada um de nós já não coroou sua Inês! Sim, porque somos uma espécie de autômatos que perambulam pelo planeta, distraídos, sem ver o que nos acontece ao redor. Ou, pelo menos, só vendo o que a televisão nos ordena ver.

O que nem todos conhecem é a origem da expressão. Até outro dia este cronista também não conhecia. Há quem diga que só com a morte paramos de aprender. E eu estou muito inclinado a crer nisso.

Em várias obras literárias, desde Fernão Lopes (pai de todos nós, os que escrevemos crônicas, cronista-mor que ele foi del Rei D. Duarte, no século XV), passando por Sá de Miranda e chegando a Camões, encontra-se a história da infeliz Inês de Castro. Esta, uma nobre galega, veio para Portugal como aia de Dona Constança, futura esposa de Dom Pedro I, de Portugal.

O príncipe, cujo casamento fora arranjo da Corte, apaixonou-se pela dama de companhia de sua mulher. Até aí, nada de extraordinário, situação bastante comum naquelas épocas em que o sangue bom, mas bom mesmo, ainda era o sangue azul. E olha que logo depois Camões diria que o amor é fogo que arde sem se ver.

Morta Dona Constança, os conselheiros de Afonso IV exigiram que o príncipe Dom Pedro tomasse esposa indicada por eles e rompesse as relações com sua amada. Temiam que, por sua influência, Portugal perdesse a independência. Não houve jeito de convencer o príncipe, por isso, e por conspiração dos conselheiros, ele foi mandado para a guerra. Enquanto fora o príncipe, reunida a Corte, Inês de Castro foi trazida do interior, onde se encontrava, e num julgamento sumário foi condenada à morte e ali mesmo, no palácio, foi degolada.

Tudo isso por amar o príncipe e ser doidamente amada por ele.

Dois anos depois, morreu D. Afonso e Dom Pedro, seu filho e príncipe herdeiro, foi coroado, iniciando sua vingança. Mandou executar todos os participantes do cruel julgamento. Dois deles tiveram os corações extraídos do peito − um pela frente e o outro pelas costas. Em seguida, ordenou que fossem trazidos os restos mortais de Inês de Castro para o palácio. Assentada no trono, todos os cortesãos foram obrigados a desfilar perante ela para o beija-mão. E isso, depois de Inês de Castro ter sido coroada rainha.

Mas a coroação não fazia mais sentido prático nenhum, pois agora Inês já estava morta. A coroa chegou atrasada. 

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