Cultura
O romancista e cronista de CartaCapital, vencedor do prêmio
Jabuti, registra a passagem do tempo em novo romance, o segundo da trilogia
'Tempus Fugit'
por Mariana Melo — publicado 18/03/2015 05:02, última
modificação 18/03/2015 10:27
É na mesma cidadezinha em que se passava a trama de Tapete
de Silêncio que Menalton Braff decidiu localizar seu novo romance, Pouso do
Sossego, segundo volume de sua trilogia Tempus Fugit. Apesar de a história se
passar no mesmo local, desta vez quem protagoniza os acontecimentos é Lúcia,
que volta após três anos à pequena cidade em que nasceu e cresceu para herdar o
poder do seu influente pai.
“Quando terminei de escrever o primeiro romance, pensei:
alguns meses só de existência das pessoas que fazem parte deste conflito não
servem para dar a sensação da passagem do tempo, que era algo que me preocupava
bastante”, explica o escritor sobre a ambientação da trilogia, que ajuda a
ilustrar as transformações que a passagem do tempo implica.
Morador de Serrana, um município de aproximadamente 40 mil
habitantes na região de Ribeirão Preto, Braff diz que utilizou sua convivência
com esta e outras pequenas cidades para compor o seu romance. “Uma coisa que
percebi, que sempre observei, é que as estruturas nessas cidades são
praticamente as mesmas. Como se divide o poder, a economia, a posse dos bens, o
usufruto dos benefícios da civilização, etc.”
As relações de confiança e poder se misturam e constroem uma
rede de interesses e contatos próprias desses locais. “Numa cidade pequena,
você toma cerveja no bar com o prefeito. Os vereadores são seus vizinhos. As
pessoas, às vezes, se intrometem na vida das outras, para ajudar ou por pura
maldade, mas se intrometem.”
Essas mudanças, segundo ele, podem ser pouco percebidas para
quem está inserido nelas, mas, para quem as vê de fora, são menos sutis. “O
passar do tempo, e o tempo da trilogia é tempus fugit, é praticamente
imperceptível pra quem já convive em tal lugar, mas quem está fora, e eu mesmo
voltei muitos anos depois pra uma das cidades em que morei, percebe muitas
transformações. Há as transformações visíveis, como na urbanização, mas também
invisíveis, quando se dão nas pessoas", conta. "As pessoas, com o
tempo, se atualizam.”
Menalton Braff
Os três livros, apesar de constituírem uma trilogia (o
último, Noite à Dentro, já está pronto), podem ser lidos de maneira
independente, de acordo com Braff. “Claro que se você segue a ordem em que eles
aparecem, a ordem do tempo, você vai ter uma outra compreensão. O leitor, no
entanto, pode construir sua noção.”
Autor de À sombra do cipreste, livro vencedor do Prêmio
Jabuti de 2000, Braff é um escritor incansável. Desde que finalizou Tempus
Fugit, escreveu mais dois romances - Jornada Patética e O Berço do Primeiro Sol
- e, atualmente, trabalha em um outro romance, além das crônicas semanais para
o site de CartaCapital. “Eu escrevo todos os dias. Acho que, se eu parar, eu
caio. Se você desliga o jato do avião, ele vem pro chão. Estar produzindo me
faz sentir vivo. Quando estou na metade de um romance, já tenho outros
projetos, já começo a emendar uma coisa na outra. Não sei se a palavra correta
seria obsessão, mas produzir é o que me faz sentir vivo”, encerra.
Leia, abaixo, um trecho de Pouso do Sossego.
"Capítulo III
Gosto de descer esta escada ouvindo o gemido cavo de cada um
dos degraus quando os piso. Não tenho pressa, ao descer, pois meu destino,
apesar das aparências, não é o mundo, aonde devo descer com meu corpo, mas o
espaço infinito para onde viajam minha imaginação ou minha memória.
Estou prisioneira, pelo menos por algum tempo, na casa onde
nasci e pela primeira vez machuquei numa queda um dos joelhos. A babá me
pareceu incomodada com meu choro, por isso parei de chorar. Ela passou iodo
cromo no ferimento, coisa terrível, aquele fogo consumindo uma perna inteira.
Então chorei mais do que antes e senti em seus olhos e na mão espalmada que me
ameaçava do alto que eu estava à mercê daquela mulher. Mais uma vez engoli o
choro. Desde então tenho chorado pouco.
Com a morte de meu avô, o céu se apagou e submergi num mar
de escuridão. A fazenda, posta à venda, não tinha mais lugar para mim. A vovó,
tristinha, foi acolhida por uma das filhas, a tia Judite. Nenhum dos meus tios
me convidou para seu convívio, ninguém proferiu uma só palavra que me salvasse.
O mundo era o deserto por onde deveria perambular. Até a chegada de meus pais.
Eu estava salva do deserto, mas ao arbítrio do doutor Madeira, Ascendino Madeira,
meu pai. Foi ele quem me recomendou no caminho de volta que nesta primeira
semana escondesse meu rosto dentro de casa. Os íntimos, amigos desde sempre,
esses sim, esses poderiam visitar-me, desde que antes telefonassem."
Menalton
Serviço
Lançamento Pouso do Sossego
Autor: Menalton Braff
Data: 18 de março (quarta-feira)
Horário: 19h30
Local: Sesc Ribeirão Preto, Rua Tibiriça, 50, Centro
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