Luiz Bras
Luiz Brasil é o nome completo.
Nasci em 1968, adivinhe onde. Exatamente: em Cobra Norato, pequena cidade da mítica Terra Brasilis. Sou fascinado por essa cidade vista primeiro num sonho. Se ela existe realmente ou não, pouco importa. Você sabe que a vida em preto-e-branco, comum, não vale a pena. A vida precisa ser colorida pela invenção. Pela fantasia. Pela imaginação. Desde que sonhei com Cobra Norato, eu resolvi que nasci e moro até hoje nela.
Sou ficcionista e coordenador de laboratórios de criação literária. Na infância eu ouvia vozes misteriosas que me contavam histórias secretas. Hoje coleciono miniaturas e gravuras de zigurates. Gosto de pensar que essas construções míticas, sagradas, simbólicas abrigam criaturas e mistérios do passado e do futuro. De nosso mundo e de outros. Espantei-me ao ver pela primeira vez, no Centro Espacial de Hooloomooloo, uma prótese neurológica conectada a um exoesqueleto. Agora estou tentando resolver, na literatura, a mesma mistura de fascínio e medo que nossos antepassados sentiram ao domesticar o fogo. Só acredito em biografias imaginárias. E nos universos paralelos de Remedios Varo.
Fonte: https://luizbras.wordpress.com/luiz-bras/
Luiz Bras
Homem: Ele não quer abrir a porta.
Mulher: Disse que o perigo ainda não passou.
Rapaz: Que merda. Ele precisa abrir a porta agora.
Garota: Não quero morrer asfixiada.
Segundo homem: Não adianta. Ele não vai abrir.
Segunda mulher: Ele tem certeza que o perigo ainda não
passou.
Segundo rapaz: Porra. O velho enlouqueceu, não percebem?
Segunda garota: Temos que pegar a chave.
Homem: Não sei… Se ele estiver certo… Se ainda for perigoso?
Mulher: O fogo, a radioatividade…
Rapaz: Não há fogo algum, não há radioatividade alguma.
Garota: A gente não devia estar aqui.
Segundo homem: Temos que sair de um jeito ou de outro.
Segunda mulher: Eu não quero. Não posso. Ele tem certeza que
o perigo ainda não passou.
Segundo rapaz: Besteira. Ele está delirando, não percebem?
Segunda garota: O dia deve estar lindo, lá fora. Não suporto
mais este frio, esta penumbra.
Homem: Ele vomitou de novo.
Mulher: A comida deve estar estragada. Ele não devia ter
comido o feijão.
Rapaz: Esses enlatados aí? Estão vencidos há semanas.
Prefiro morrer de fome.
Garota: Quero sair daqui agora. Não estou agüentando mais.
Segundo homem: Eu vou pegar a chave. Quem vem comigo?
Segunda mulher: Eu comi o feijão e não passei mal.
Segundo rapaz: Eu vou com você.
Segunda garota: Eu também.
Dono do bunker: Aí estão vocês, malditos, conspirando
novamente. Tramando pelas minhas costas.
Homem: Fora da cama outra vez, chefe?
Mulher: Você não devia ter comido o feijão. Ah, tá vomitando
na camisa…
Rapaz: Ele precisa de um médico, gente.
Garota: Temos que sair daqui agora. Cadê a chave?
Dono do bunker: Ficou louca? Quer morrer?!
Segundo homem: Louco nós estávamos quando seguimos você.
Quando aceitamos ficar presos aqui dentro.
Segunda mulher: Gente, eu comi o feijão. Comi sim. E não
passei mal.
Segundo rapaz: A chave deve estar no bolso dele.
Segunda garota: Segura os braços, que eu revisto.
Dono do bunker: Solta, desgraçado. Não entendem? Se vocês
abrirem a porta nós morremos. A chuva radioativa, a água ácida. Ou o vento
corrosivo. O vento! Ou o calor, estão entendendo? O calor. Vamos derreter feito
bonecos de cera.
Homem: Parem. Vocês estão machucando o coitado. Vamos
conversar. Se ele estiver certo… Se ainda for perigoso?
Mulher: Ah, tá vomitando de novo.
Dono do bunker: Solta, caralho! Se vocês abrirem a porta,
mesmo só um pouquinho, nós morremos.
Rapaz: A chave não está no bolso. Ele deve ter escondido nos
armários.
Garota: Ou num cofre secreto.
Dono do bunker: Desgraçados. Nós vamos morreeeeeer…
Segundo homem: Cuidado. Ele pegou uma faca.
Segunda mulher: Calma, chefe. Não.
Segundo rapaz: Velho louco. Assassino. Assas…
Segunda garota: Não, chefe.
Duas semanas depois, batidas na porta de aço.
Mais forte, mais forte ainda. A tranca explode.
Três homens entram. O cheiro é insuportável.
Uma lanterna devassa a escuridão.
Policial: Isso aqui é enorme. Como foi que ele construiu?
Bombeiro: Gastando todas as economias, dizem.
Vizinho: Ele passou dez meses trabalhando sem descanso.
Avisava que uma tempestade terrível estava chegando. Que todo mundo morreria.
Quando o abrigo ficou pronto, ele se trancou aqui embaixo.
Policial: Onde ele está?
Bombeiro: Aqui.
Vizinho: Essa não… Que merda.
Policial: Sangrou até a morte.
Bombeiro: Havia mais alguém com ele?
Vizinho: Não. Ele se trancou sozinho.
Menalton, meu caro, superobrigado por compartilhar meu miniconto de humor negro com os teus leitores.
ResponderExcluirUm abraço!