sexta-feira, 27 de março de 2015

CONTOS CORRENTES

Luiz Bras


Luiz Brasil é o nome completo.
Nasci em 1968, adivinhe onde. Exatamente: em Cobra Norato, pequena cidade da mítica Terra Brasilis. Sou fascinado por essa cidade vista primeiro num sonho. Se ela existe realmente ou não, pouco importa. Você sabe que a vida em preto-e-branco, comum, não vale a pena. A vida precisa ser colorida pela invenção. Pela fantasia. Pela imaginação. Desde que sonhei com Cobra Norato, eu resolvi que nasci e moro até hoje nela.
Sou ficcionista e coordenador de laboratórios de criação literária. Na infância eu ouvia vozes misteriosas que me contavam histórias secretas. Hoje coleciono miniaturas e gravuras de zigurates. Gosto de pensar que essas construções míticas, sagradas, simbólicas abrigam criaturas e mistérios do passado e do futuro. De nosso mundo e de outros. Espantei-me ao ver pela primeira vez, no Centro Espacial de Hooloomooloo, uma prótese neurológica conectada a um exoesqueleto. Agora estou tentando resolver, na literatura, a mesma mistura de fascínio e medo que nossos antepassados sentiram ao domesticar o fogo. Só acredito em biografias imaginárias. E nos universos paralelos de Remedios Varo.

Fonte: https://luizbras.wordpress.com/luiz-bras/





Bunker


 Luiz Bras


Homem: Ele não quer abrir a porta.


Mulher: Disse que o perigo ainda não passou.


Rapaz: Que merda. Ele precisa abrir a porta agora.


Garota: Não quero morrer asfixiada.


Segundo homem: Não adianta. Ele não vai abrir.


Segunda mulher: Ele tem certeza que o perigo ainda não passou.


Segundo rapaz: Porra. O velho enlouqueceu, não percebem?


Segunda garota: Temos que pegar a chave.


Homem: Não sei… Se ele estiver certo… Se ainda for perigoso?


Mulher: O fogo, a radioatividade…


Rapaz: Não há fogo algum, não há radioatividade alguma.


Garota: A gente não devia estar aqui.


Segundo homem: Temos que sair de um jeito ou de outro.


Segunda mulher: Eu não quero. Não posso. Ele tem certeza que o perigo ainda não passou.


Segundo rapaz: Besteira. Ele está delirando, não percebem?


Segunda garota: O dia deve estar lindo, lá fora. Não suporto mais este frio, esta penumbra.


Homem: Ele vomitou de novo.


Mulher: A comida deve estar estragada. Ele não devia ter comido o feijão.


Rapaz: Esses enlatados aí? Estão vencidos há semanas. Prefiro morrer de fome.


Garota: Quero sair daqui agora. Não estou agüentando mais.


Segundo homem: Eu vou pegar a chave. Quem vem comigo?


Segunda mulher: Eu comi o feijão e não passei mal.


Segundo rapaz: Eu vou com você.


Segunda garota: Eu também.


Dono do bunker: Aí estão vocês, malditos, conspirando novamente. Tramando pelas minhas costas.


Homem: Fora da cama outra vez, chefe?


Mulher: Você não devia ter comido o feijão. Ah, tá vomitando na camisa…


Rapaz: Ele precisa de um médico, gente.


Garota: Temos que sair daqui agora. Cadê a chave?


Dono do bunker: Ficou louca? Quer morrer?!


Segundo homem: Louco nós estávamos quando seguimos você. Quando aceitamos ficar presos aqui dentro.


Segunda mulher: Gente, eu comi o feijão. Comi sim. E não passei mal.


Segundo rapaz: A chave deve estar no bolso dele.


Segunda garota: Segura os braços, que eu revisto.


Dono do bunker: Solta, desgraçado. Não entendem? Se vocês abrirem a porta nós morremos. A chuva radioativa, a água ácida. Ou o vento corrosivo. O vento! Ou o calor, estão entendendo? O calor. Vamos derreter feito bonecos de cera.


Homem: Parem. Vocês estão machucando o coitado. Vamos conversar. Se ele estiver certo… Se ainda for perigoso?


Mulher: Ah, tá vomitando de novo.


Dono do bunker: Solta, caralho! Se vocês abrirem a porta, mesmo só um pouquinho, nós morremos.


Rapaz: A chave não está no bolso. Ele deve ter escondido nos armários.


Garota: Ou num cofre secreto.


Dono do bunker: Desgraçados. Nós vamos morreeeeeer…


Segundo homem: Cuidado. Ele pegou uma faca.


Segunda mulher: Calma, chefe. Não.


Segundo rapaz: Velho louco. Assassino. Assas…


Segunda garota: Não, chefe.




Duas semanas depois, batidas na porta de aço.


Mais forte, mais forte ainda. A tranca explode.


Três homens entram. O cheiro é insuportável.


Uma lanterna devassa a escuridão.




Policial: Isso aqui é enorme. Como foi que ele construiu?


Bombeiro: Gastando todas as economias, dizem.


Vizinho: Ele passou dez meses trabalhando sem descanso. Avisava que uma tempestade terrível estava chegando. Que todo mundo morreria. Quando o abrigo ficou pronto, ele se trancou aqui embaixo.


Policial: Onde ele está?


Bombeiro: Aqui.


Vizinho: Essa não… Que merda.


Policial: Sangrou até a morte.


Bombeiro: Havia mais alguém com ele?


Vizinho: Não. Ele se trancou sozinho.



Um comentário:

  1. Menalton, meu caro, superobrigado por compartilhar meu miniconto de humor negro com os teus leitores.

    Um abraço!

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