quinta-feira, 26 de março de 2015

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (131)

Luciano Anceschi
Dada a relevância e a densidade do capítulo que vamos ler, prefiro transcrevê-lo do livro que estamos estudando.

Pragmática da comunicação literária

"Ao concluirmos a análise do fenómeno da comunicação literária, não podemos deixar de formular esta pergunta: qual a função, ou quais as funções, da comunicação literária? Pergunta que equivale a interrogarmo-nos sobre a finalidade da literatura como instituição, sobre as razões da existência do sistema semiótico literário, sobre a influência dos textos literários no sistema de conhecimentos, de crenças, de convicções, de normas éticas e sociais que caracteriza os seus leitores e as comunidades históricas em que estes se integram. Com efeito, se na comunicação literária se encontram suspensas as regras que relacionam imediatamente os actos ilocutivos do texto com o mundo empírico, tal não significa que o texto literário não comporte actos perlocutivos e que seja destituído da capacidade de originar nos seus receptores múltiplos e diversos efeitos perlocutivos ('fazer tomar consciência', 'modificar escalas de valores', 'persuadir', 'comover', etc.). Os numerosos mecanismos de censura e de repressão que, desde há milénios, têm sido concebidos e postos em execução a fim de impedir que os textos literários possam exercer, em liberdade, os seus possíveis efeitos perlocutivos, demonstram bem a relevância dos factores pragmáticos da comunicação literária.

A análise, sob a perspectiva de uma fenomenologia histórica, das respostas dadas a tais interrogações revela que o seu teor, para além de concretas variações diacrónicas, tem oscilado dialecticamente entre duas polaridades: a polaridade da autonomia e a polaridade da heteronomia da literatura, não carecendo de fundamentação teorética e histórica afirmar, com Luciano Anceschi, que esta antítese representa uma lei que 'domina e rege, regulando-o, o momento teórico-pragmático da reflexão sobre o campo estético' da literatura e a própria vida da literatura  'nas suas expressões mais individualizadas'. Quando entendidas, valoradas e actualizadas dogmaticamente, tais polaridades constituem um síndroma de graves disfunções que afectam globalmente as inter-relações do sistema semiótico literário com o metassistema social: a hipostasiação da autonomia da literatura procede de um insulamento anómalo, de uma ruptura de tipo autista, do sistema literário em relação ao seu contexto histórico e sociológico; a hipostasiação da heteronomia da literatura é a consequência da colonização do sistema literário, sobretudo a nível do seu código semântico-pragmático, por outros sistemas semióticos actuantes na mesma comunidade cultural.
A comunicação literária e os seus textos constituem meio e instrumentos privilegiados de conservação e de contínuo renovamento da informação sobre o homem, a sociedade e o mundo, tanto sob a perspectiva da instância de produção como sob a perspectiva das suas inumeráveis e historicamente diversificadas instâncias de recepção. Em virtude dos seus próprios fundamentos semióticos, já atrás descritos, a comunicação literária actualiza e potencia todas as virtualidades da linguagem verbal, genericamente considerada, e daquela língua histórica, em particular, que funciona como seu sistema modelizante primário, possibilitando por isso mesmo, não só aos usuários específicos do seu circuito semiósico, mas, em graus vários, a todos os membros de uma determinada comunidade linguística, a revitalização e a dinamização da língua natural na qual e com a qual a realidade antropológica, social e cosmológica é primariamente conhecida, analisada e valorada."


(CONTINUA)

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