quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

RESENHA

Conspiração de Nuvens


Vanessa Maranha

O livro Conspiração de Nuvens, de Lygia Fagundes Telles, fecha o ciclo memorialístico iniciado em 1980 com A Disciplina do Amor e retomado em 2000, no volume Invenção e Memória e, posteriormente, em 2002, com Durante Aquele Estranho Chá.                                                                                                              Assim como nessas obras, Conspiração de Nuvens, engajado na escrita límpida e inconfundível de Lygia, se permite a ficcionalização das memórias, demonstrando a tênue fronteira a separar (ou não) a ficção da realidade, especialmente dentro da idéia heideggeriana que indica ser a arte o “pôr-se em obra da verdade”.                                             
Esse o ponto mais impactante de toda a escrita de Lygia Fagundes Telles: adensar-se em busca do verdadeiro sem, entretanto, se aferrar a nenhum sistema rígido de verdades, por meio da linguagem
carregada de significação. Nesse sentido, a autora traz a realidade da representação, do simbólico e, portanto, do universal, mas, sempre na chave de uma brasilidade vital.                                                                                             

Se ‘clássico’ é o estatuto dos autores que conseguem ser plurais mantendo sua identidade literária mesmo quando se debruça sobre suas lembranças pessoais, Lygia é, sem dúvida, um clássico.                                                                                                                 

Conspiração de Nuvens agrega dezenove crônicas bem alinhavadas de ‘recuerdos’ sem ordenação cronológica no mote explicitado pela própria escritora: “a memória enleada de invenção”.                                                                                                         
Permite-se, inclusive, no texto “Bolas de Sabão” transcrever literariamente o que deve ter sido uma conferência a universitários, em que responde acerca dos enredos e personagens mais marcantes de toda a sua trajetória ficcional; sua inspiração, os possíveis retornos e outros desfechos.                                                                                      
Em “A Quermesse”, faz uma viagem de volta à infância repleta de imagens,  perguntas e temores, confirmando a tese de Santo Agostinho, que afirmava ser a memória a casa da alma.                                                                                                            
No livro, não se furta às reminiscências do amor por seu marido, já falecido, Paulo Emílio Salles Gomes, o crítico “de voz flamante” e que em pelo menos três crônicas do livro será afetuosamente citado.  
                                                                         
O texto “Conspiração de Nuvens”, a emprestar o título para a antologia, narra a moção encabeçada em 1976 por Rubem Fonseca, ladeada por Nélida Piñon, entre outros, na plenitude do Regime Militar e denominada “O Manifesto dos Mil”, pra se opor à censura que vinha mutilando indiscriminadamente obras literárias de grande valor, quando não as vetava.                                                                                                                      

Lygia Fagundes Telles relembra ainda amigos caros como Décio de Almeida Prado, Érico Verissimo. Dedica páginas quase líricas a Machado de Assis e Álvares de Azevedo, amalgamando, na forma, o acento ensaístico ao da contística.                                            

“Tunísia”, talvez o mais literário dos textos que escolheu para compar a obra, é também o mais sinestésico de todos e, por isso mesmo, delicioso, como um cartão-postal: nele o leitor alucina cantos berberes, olhos núbios, perfume de jasmim, suks e tapeçarias magníficas.             
                                                                                                 
Finalmente, num texto impecável, intitulado “O Chamado”, a autora de Ciranda de Pedra discorre sobre questões que julga relevantes para o seu êxito nas letras. A principal delas, a disciplina aprendida nos esportes, em especial, a esgrima. E a vocação. “Obedecer à vocação seria simplesmente exercer o ofício da paixão, era o que me ocorria quando diante da pequena mesa abria o estojo com as canetas, escolhia a pena preferida, molhava no tinteiro e começava a escrever minhas histórias (...) Na vocação não está  não está incluída a glória, tantas vocações verdadeira e o silêncio, ninguém leu, ninguém viu”, avisa.

BIOGRAFIA

Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo e passou a infância no interior do Estado, onde o pai, o advogado Durval de Azevedo Fagundes, foi promotor público. A mãe, Maria do rosário, era pianista. Voltando a residir com a família na capital, a escritora completou o curso fundamental na Escola Caetano de Campos e, em seguida, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo, onde se formou. 

A autora teve um filho do primeiro casamento, o cineasta Goffredo Telles Neto, que lhe deu duas netas. Divorciada, casou-se com o ensaísta e crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977).                                                                                                    

Segundo Antonio Candido, o romance “Ciranda de Pedra” (atualmente transposto para a tela da TV sob a forma de telenovela) seria o marco de sua maturidade intelectual. A crítica literária gaúcha Léa Masina, na apresentação da antologia “Pombra Enamorada” categoriza as narrativas curtas de Lygia como “contos perfeitos” e que sugerem “ser a literatura uma forma de incursão nas almas e, catarticamente, um lenitivo para os conflitos individuais”. Membro da Academia Brasileira de Letras, Lygia Fagundes Telles teve seus livros publicados em diversos países. Também recebeu os prêmios Jabuti; Guimarães Rosa; APCA; APLUB; PEN Clube e o Prêmio Camões, pelo conjunto da obra em Portugal, em 2005.


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