Conspiração
de Nuvens
O
livro Conspiração de Nuvens, de
Lygia Fagundes Telles, fecha o ciclo memorialístico iniciado em 1980 com A Disciplina do Amor e retomado em
2000, no volume Invenção e Memória e,
posteriormente, em 2002, com Durante
Aquele Estranho Chá. Assim
como nessas obras, Conspiração de Nuvens,
engajado na escrita límpida e inconfundível de Lygia, se permite a
ficcionalização das memórias, demonstrando a tênue fronteira a separar (ou não)
a ficção da realidade, especialmente dentro da idéia heideggeriana que indica
ser a arte o “pôr-se em obra da verdade”.
Esse
o ponto mais impactante de toda a escrita de Lygia Fagundes Telles: adensar-se
em busca do verdadeiro sem, entretanto, se aferrar a nenhum sistema rígido de
verdades, por meio da linguagem
Se
‘clássico’ é o estatuto dos autores que conseguem ser plurais mantendo sua
identidade literária mesmo quando se debruça sobre suas lembranças pessoais,
Lygia é, sem dúvida, um clássico.
Conspiração de Nuvens agrega dezenove crônicas bem alinhavadas de
‘recuerdos’ sem ordenação cronológica no mote explicitado pela própria
escritora: “a memória enleada de invenção”.
Permite-se,
inclusive, no texto “Bolas de Sabão” transcrever literariamente o que deve ter
sido uma conferência a universitários, em que responde acerca dos enredos e
personagens mais marcantes de toda a sua trajetória ficcional; sua inspiração,
os possíveis retornos e outros desfechos.
Em
“A Quermesse”, faz uma viagem de volta à infância repleta de imagens, perguntas e temores, confirmando a tese de
Santo Agostinho, que afirmava ser a memória a casa da alma.
No
livro, não se furta às reminiscências do amor por seu marido, já falecido,
Paulo Emílio Salles Gomes, o crítico “de voz flamante” e que em pelo menos três
crônicas do livro será afetuosamente citado.
O
texto “Conspiração de Nuvens”, a emprestar o título para a antologia, narra a
moção encabeçada em 1976 por Rubem Fonseca, ladeada por Nélida Piñon, entre
outros, na plenitude do Regime Militar e denominada “O Manifesto dos Mil”, pra
se opor à censura que vinha mutilando indiscriminadamente obras literárias de
grande valor, quando não as vetava.
Lygia
Fagundes Telles relembra ainda amigos caros como Décio de Almeida Prado, Érico
Verissimo. Dedica páginas quase líricas a Machado de Assis e Álvares de
Azevedo, amalgamando, na forma, o acento ensaístico ao da contística.
“Tunísia”, talvez o mais literário
dos textos que escolheu para compar a obra, é também o mais sinestésico de
todos e, por isso mesmo, delicioso, como um cartão-postal: nele o leitor
alucina cantos berberes, olhos núbios, perfume de jasmim, suks e tapeçarias magníficas.
Finalmente, num texto impecável,
intitulado “O Chamado”, a autora de Ciranda
de Pedra discorre sobre questões que julga relevantes para o seu êxito nas
letras. A principal delas, a disciplina aprendida nos esportes, em especial, a
esgrima. E a vocação. “Obedecer à vocação seria simplesmente exercer o ofício
da paixão, era o que me ocorria quando diante da pequena mesa abria o estojo
com as canetas, escolhia a pena preferida, molhava no tinteiro e começava a
escrever minhas histórias (...) Na vocação não está não está incluída a glória, tantas vocações
verdadeira e o silêncio, ninguém leu, ninguém viu”, avisa.
BIOGRAFIA
Lygia Fagundes Telles
nasceu em São Paulo e passou a infância no interior do Estado, onde o pai, o
advogado Durval de Azevedo Fagundes, foi promotor público. A mãe, Maria do
rosário, era pianista. Voltando a residir com a família na capital, a escritora
completou o curso fundamental na Escola Caetano de Campos e, em seguida,
ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de
São Paulo, onde se formou.
A
autora teve um filho do primeiro casamento, o cineasta Goffredo Telles Neto,
que lhe deu duas netas. Divorciada, casou-se com o ensaísta e crítico de cinema
Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977).
Segundo Antonio Candido, o romance
“Ciranda de Pedra” (atualmente transposto para a tela da TV sob a forma de
telenovela) seria o marco de sua maturidade intelectual. A crítica literária
gaúcha Léa Masina, na apresentação da antologia “Pombra Enamorada” categoriza
as narrativas curtas de Lygia como “contos perfeitos” e que sugerem “ser a
literatura uma forma de incursão nas almas e, catarticamente, um lenitivo para
os conflitos individuais”. Membro da Academia Brasileira de Letras, Lygia
Fagundes Telles teve seus livros publicados em diversos países. Também recebeu
os prêmios Jabuti; Guimarães Rosa; APCA; APLUB; PEN Clube e o Prêmio Camões, pelo
conjunto da obra em Portugal, em 2005.
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