Esta coluna reúne analises de livros elaboradas por Menalton Braff e publicadas originalmente no site do escritor.
O livro analisado nesta postagem é Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa.
Livro Analisado: Primeiras Estórias
Preparação: Prof. Menalton Braff
A Obra
"Primeiras Estórias" foi publicado em livro em
1962, constitui-se de 21
contos.
1. As margens da alegria - tom lírico reflexivo, primeira
viagem de um
menino, descoberta do mundo: a crueldade (peru) x beleza e
alegria
(vagalume) invenções: justinhamente "Era uma viagem inventada no
feliz." Diminutivos enfáticos: confortavelzinho
2. Famigerado - "- Vosmecê agora me faça a boa obra de
querer me ensinar o que é mesmo que é:
fasmisgerado...faz-megerado...falmisgeraldo...familhas-gerado...?"
"- Famigerado é inóxio, é célebre, notório,
notável..."
Triunfo da esperteza sobre a ignorância. Metalinguagem.
Registro culto x coloquialismos
3. Sorôco, sua mãe, sua filha - A resignação de Sorôco, que
precisa internar a mãe e a filha, suas únicas parentas. A
solidariedade da vila: o momento em que todos cantam juntos.
Oralidade e sonoridade: "...atrelado ao expresso daí de
baixo..." - narrador testemunha (contador de histórias).
4. A menina de lá - espaço (ficcional) imprecisão: para trás
da Serra do Mim, quase no meio...
personagem: Maria ou Nhinhinha (mágica) milagrosa. Espanto:
"Tatu não vê a lua..." Nem quatro anos. Com o tempo começa a
prever. O que pensa acontece. Um dia pensa num pequeno caixão cor-de-rosa
e morre.
5. Os irmãos Dagobé - alusão irônica: "Viviam em
estreita desunião..." A imaginação popular x o real: Liojorge vai sofrer a
vingança dos três irmãos mais novos. Todos acreditam nisso. Vitória da
justiça: matara em legítima defesa. Damastor que era mau e perverso. Merecia
morrer. "Damastor, o grande pior." Alegria dos três irmãos
remanescentes, einfim livres do grande pior.
6. A terceira margem do rio - O narrador é o filho de um
homem que, sem razão aparente, embarca em uma canoa e não volta mais a
pisar chão nem capim. Não responde aos apelos da família, ninguém
conhece suas razões, nunca mais desembarca.
Obra aberta - sem explicação
Terceira - espaço metafísico "escavação da essência, do
inconsciente, do eterno e do infinito. A viagem ao centro do próprio ser em
busca do autoconhecimento. Destino trágico. "Sou culpado do que
nem sei..." -
existir = culpa
Coloquial recriado. "Era a sério."
O espanto inicial com o insólito, o hábito, a mitificação
(Noé), depois a aceitação.
Rio, metáfora de vida, curso, o transcorrer.
Alguns elementos fantásticos: o vulto, da parte de alguém
7. Pirlimpsiquice - O narrador, "ponto" da peça
que os alunos ensaiam, tem de assumir um papel importante de improviso, na peça.
Esquece as falas iniciais e é salvo da imensa vaia dos baderneiros
porque Zé Boné (a fantasia) - gestos de cowboy inicia o improviso de uma apeça
"faz-deconta".
A fantasia salva a realidade.
Oposição entre a espontaneidade e conteúdos estabelecidos.
Erudito x popular: embair x centerfór
alvitrar x pito
dirimir x sento o braço
"Dr. Perdigão" - sátira da linguagem
grandiloqüente, latinista empolado.
GR - o inventor de palavras (êxtase) - pirlipsiquice.
8. Nenhum, nenhuma - Uma história que começa pela negação. O
Menino
(narrador) tenta recuperar na memória (fragmentos) lances de
sua vida.
Mas existem obstáculos de identificação.
Regionalismo transcendente. Dissolução do lugar // fantasia:
"...à beira da mata de algum rio, que proíbe o imaginar."
Dissolução de personagens: "...onde se achava um homem
sem
aparência..." , "A Moça, imagem." A velhinha
que de tão velha ninguém mais sabe quem é.
Crise de identidade: nenhum, nenhuma.
Interpretação possível: processo freudiano de criação -
recuperação da memória amor à moça (mãe) x ódio ao moço (pai) recusa da moça (assexualidade) - ñ reconhecimento dos pais
(q o geraram - ato sexual)
9. Fatalidade - Fatalidade é o tema (a morte) do conto,
narrado em 1a. pessoa-testemunha. São personagens Meu Amigo, delegado
filósofo, que já foi de tudo na vida, e Zé Centeralfe, caboclo perseguido
por um valentão que lhe quer roubar a esposa. Tentam de tudo para
fugir aos assédios do valentão, sem nada conseguir. Finalmente o
delegado filosofa que arma de fogo é para isso. Saem os dois, o delegado e o
capiau, e ao encontrarem o valentão, ouvem-se dois tiros. No boletim de
ocorrência, o delegado escreve que ele resistiu à voz de prisão.
Sintaxe: "Meu amigo sendo de vasto saber..." ,
"O qual, vendo-se que
caipira, ar e traje."
Barbarismos e elipses. "adonde" barbarismo
popular.
Um homem quebra a ordem do sertão. A lei (delegado) o
elimina para que tudo volte à harmonia.
10. Seqüência - Novamente o tema da força do destino
irrecusável. Um jovem sai em perseguição de uma vaca fujona. A perseguição
torna-se, de repente, insensata. Anoitece e ele continua perseguindo.
Já nem sabe por quê. A vaca, na realidade, tem um sentido mágico: é o
fio que o conduz para que o destino se cumpra. No final da história,
quando chega à fazenda (querência) destino da vaca, o jovem encontra o
amor.
11. O espelho - Mais um conto de tema metafísico,
transcendente. O conto não é uma narrativa com história, intriga, no sentido
tradicional. É uma experiência, como o próprio narrador personagem declara.
O conto é como um jogo da verdade. O espelho é o instrumento
da análise. O narrador vai descendo em suas experiências até
não encontrar mais sua imagem: as máscaras (aparência) vão sendo
destruídas. Por fim, começa a emergir no espelho uma outra imagem
"...um rostinho de
menino, de menos-que-menino."
Linguagem erudita - significando o fascínio exercido pelo
espelho sobre cientistas e filósofos de todos os tempos.
12. Nada e a nossa condição - Narrador em 1a. pessoa,
testemunha.
Personagem central é Tio Man'Antônio, mais um dos loucos
iluminados de Guimarães Rosa. O lugar (espaço) é uma utopia: "...
cuja sede distava de qualquer outra talvez mesmo dez léguas, dobrava-se na
montanha..." É a instauração do espaço ficcional. Tio Man'Antônio, depois de
casado resolver doar quase tudo que tem àqueles que trabalham com
ele. A iluminação: os haveres materiais de nada valem.
Recursos: aliterações - "...leigos, ledos,
lépidos...", "...dobrada dobadura, a derrubarem mato..." Arcaísmos: leixamente
Latinismos: requiescante
13. O cavalo que bebia cerveja - História misteriosa de
Reivalino, empregado de Giovânio, um italiano que mora em um casarão
sem mobília e onde ninguém pode entrar. Para aumentar o
mistério, ele tem um cavalo que toma cerveja. O empregado odeia o patrão por
causa de suas diferenças. Por fim, morre-lhe um irmão o
"Josepe" e o mistério é quase revelado: ninguém sabia da existência desse irmão, que
jamais foi visto. Ele tem o rosto todo desfigurado por ferimento na
guerra. O italiano
morre e deixa tudo o que tem para o Giovânio, que pouco
antes havia feito as pazes com Giovânio.
O tema do conto é o próprio mistério - a não aceitação daquilo
que é diferente.
14. Um moço muito branco - Depois de um fato pavoroso,
inexplicável (terremoto, tempestade) aparece em uma fazenda um moço de
bom parecer físico, mas em petição de miséria. Deve ser um
santo. Opera milagres e espalha bondade e poesia. Um dia desaparece,
assim como aparecera: inexplicavelmente.
15. Luas-de-mel - Exaltação do amor. Um conto de fazendeiros
e jagunços, coragem e bravura. Dois jovens fogem para casar e
cria-se a expectativa da vingança do pai da noiva. Protegidos por um
amigo do pai do rapaz, casam-se e, com este ato, provocam o
rejuvenescimento do amor do velho fazendeiro por sua esposa.
Mais uma vez, na temática roseana, a vitória da harmonia, da
vida, do bem sobre o mal.
Oralidade narrativa: 1a. pessoa.
16. Partida do Audaz Navegante - A história de Brejeirinha,
menina poeta, que vive inventando histórias e intuindo a possibilidade de
utilizar ironicamente palavras que não entende.
Livre fusão do real (ela, Pele, Ciganinha e Zito) e do
imaginário ( o Audaz Navegante). As histórias se entrelaçam e influem uma na
outra.
Barbarismos explorados poeticamente.
17. A Benfazeja - Este é um conto sobre a hipocrisia. A
Mula-Marmela "furibunda magra, de esticado esqueleto, e o se sumir
de sanguexuga, fugidos os olhos, lobunos cabelos, a cara... a selvagem
compostura."
Apesar de tal descrição, ela é a benfazeja, pois casa com
Mumbungo, "muito criminoso, homem de gostar do sabor de sangue,
monstro de perversias." Ela limpa o vilarejo matando seu marido. O
crime é um mistério e além disso a vila, em lugar de agradecer-lhe,
acusa a mendiga.
Seu filho com o bandido, o cego Retrupé continua a senda de
maldade de seu pai, até que a Mula-Marmela o torna cego, com umas ervas
e serve-lhe de guia até que o estrangule também.
Seu gesto final (simbólico) é recolher um cachorro morto por
várias razões sugeridas pelo narrador que termina (...) para com
ele ter com quem ou quê se abraçar: na hora de sua grande morte
solitária? Pensem, meditem nela, entando."
18. Darandina - É a história de um louco que, do alto de uma
palmeira, questiona a própria loucura, à maneira do Simão Bacamarte.
Além dos aspectos psicológico, sociológico, político e metafísico
entrelaçados no conto, deve-se destacar os recursos poéticos utilizados:
- invenção - visvi - vislumbrou-se-me, vice-vi
- aliterações: sujeito de trato tão trajado - maior, mesmo,
majestosa - o
céu só safira -
conforme confere confirmava - tênue tambor taquigráfico
- seqüência - Riu, ri, riu-se, rimo-nos. O povo ria.
- Linguagem erudita: empírico, anermenêutico, ingente,
axioma
- Linguagem popular: marombar, quase quasinho quasezinho,
quase...
- finório, quiquiriqui
- Universalidade: "Viver é impossível."
19. Substância - É A Obra
"Primeiras Estórias" foi publicado em livro em
1962, constitui-se de 21contos.
20. Tarantão, meu patrão - Tarantão, de atarantado, doido é
mais um dos muitos loucos-iluminados de G.Rosa. Ambiente medieval, pela
cavalhada, pelo aspecto quixotesco de Tarantão. Encabeça uma turma de
cavaleiros (gente desocupada, quase-bandidos, etc) e se dirige à casa
de um sobrinho gritando ameaçador que vai matá-lo. Ao chegar à
cidade, encontra a casa do sobrinho em festa, batizado de uma filha
do sobrinho.
É este o motivo (pureza da criança) de a ordem ser
restabelecida. Ela "pide" a palavra, discursa uma engrolada tão
comovente quanto ininteligível, senta-se com seu séquito a uma das mesas e
festeja.
Tema recorrende em Guimarães Rosa: Turbulência e a harmonia restabelecida.
21. Os cimos (o inverso afastamento) - Retomada do tema do
primeiro conto, "As margens da alegria", a descoberta do
mundo, o deslumbramento da descoberta, a tristeza obrigatória, a
alegria necessária para o crescimento no mundo, a travessia. ssárioais uma história de amor. A descoberta
do amor.
Maria Exita, abandonada pela mãe leviana, tem o pai leproso
e os dois irmãos bandidos. Mas ela, acolhida por Sionésio inteiramente
entregue a seu trabalho, sofre um processo de purificação progressiva,
provocada pela brancura (pureza) do polvilho. Sionésio apaixona-se por
M.Exita e os dois se encontram em um momento de sublime beleza literária.
Observar a notação fonética dos nomes: Maria Exita
(Mariasita), Sionésio (senhor Onésio) e Nhatiaga (senhora Tiaga). Essa é uma das
marcas de G.Rosa.
O autor: João Guimarães Rosa
Nasceu em Cordisburgo (MG) em 1908 e morreu no Rio de
Janeiro em 1967.
Filho de pequeno comerciante, iniciou estudos na cidade
natal. Fez o secundário em Belo Horizonte, demonstrando gosto pela natureza e
por línguas.
Formado em Medicina, prestou o Concurso Rio Branco,
tornando-se um diplomata de carreira. Em toda sua obra, apenas um romance:
Grande sertão: veredas.
Características
A matéria de seus contos é o sertão, o que denunciava mais
um escritor regionalista. Mas Guimarães Rosa estava longe de ser apenas mais um
regionalista. Sua literatura eleva o regionalismo a alturas ainda não experimentadas.
Pode-se dizer que era um regionalista-universalizante.
Sua literatura reinventa o modo de considerar a linguagem. A
linguagem é o estuário onde se desenvolve a vida, todas as suas experiências,
todas as invenções possíveis.
• Neologismos - maravilhal, fiúme, levantante, retrovão,
deslei, abrumalva, etc.
Arcaísmos asinha, à guisa, almargem, tamanho(tão grande),
leixamente
Regionalismos - Urucuia, "gerais", linguagem,
nomes, plantas
• Latinismos - requiescante,
Metafísico - aura do convívio entre o sagrado e o demoníaco,
cavaleiros
Feudais GR, tendo o sertão como fundo, cenário, tematiza
questões universais do ser humano. Deus, ausência de medo, negação de
sentimentos negativos,
aceitação de sentimentos positivos, sobretudo, Amor,
Verdade, Vida.
Fusão: homem-divindade.
Em Primeiras Estórias: personagens, ação, espaço se fundem.
Tudo é
símbolo, tudo é transcendência.
• Epifania - o momento da iluminação.
Multiplicidade de tons: jocoso, patético, sarcástico,
lírico, arcaizante, erudito, popular, edante.
Multiplicidade de subgêneros: fantástico, psicológico,
autobiográfico, episódio cômico, anedota, reminiscência, a sátira
Unidade e diversidade
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