Esta coluna reúne análises literárias escritas por Menalton Braff e publicadas originalmente em seu
site.
Título: Madame Pommery
Autor: Hilário Tácito
A Obra
Madame Pommery, conforme declara expressamente seu narrador, é
apenas uma crônica, não um romance - truque quase que convencional
para que se atinja a veracidade e se "convença" o leitor.
Efabulação:
Filha de um domador de feras, um judeu polonês, e de uma noviça
espanhola, Ida Pomerikowsky, a futura Madame Pommery, nasceu em
Córdoba ou Cracóvia. Pequena ainda, sua mãe a abandona para fugir com
um toureiro espanhol. Aos quinze anos já dançava ao pandeiro e lidava
com as feras de um circo. Educada no ambiente circense, não foi difícil
para um velhote ricaço de Praga estuprá-la. O pai de Ida exige do
estuprador nove mil coroas, que afinal de contas vão parar, por mil
tramóias, nas mãos da própria Ida. Ela foge e vai correr o mundo, como
prostituta.
Depois de suas experiências por vários países, quase que por acaso
(contratou uma viagem com um capitão de navio) chega ao Brasil.
Instalada em São Paulo, não se conforma com o atraso da vida noturna
da cidade e depois de algum tempo monta um prostíbulo de luxo, que
passa a ser a referência de boêmios e homens da moda. O dinheiro que
ganha com tal atividade (cafetinagem) é suficiente para pagar o
empréstimo inicial (aliás, pagamento em forma de superfaturamento do
consumo de quem tomara o empréstimo) e ainda lhe resta uma fortuna
apreciável.
De posse do dinheiro, Madame Pommery, obrigada por razões jurídicosociais
a abandonar a profissão, resolve casar-se e escolhe, para isso,
pessoa da mais alta sociedade de São Paulo, situação a que, por sua
fortuna, também ascendera.
Personagens:
Madame Pommery - ou Ida Pommerikowsky, protagonista, cuja vida é
posta em crônica. Artista de circo, prostituta, cafetina de luxo, mulher da
alta sociedade paulistana.
Zoraida - preceptora-cigana, com quem Ida aprende os segredos da vida
que finalmente levaria.
Pinto Gouveia - capitalista paulistano, amante temporário de Madame
Pommery, quem lhe financia os projetos.
Muitas prostitutas (nacionais e estrangeiras),
Feqüentadores diversos do
Au Paradis Retrouvé (Ao Paraíso Reencontrado), lupanar de Madame
Pommery.
Espaço
Aberto: inicia-se, apenas como relato narrativo, na Europa.
Desenvolve-se, entretanto como principal espaço da narrativa, a cidade
de São Paulo.
Fechado: as principais cenas narrativas dão-se no recinto de Au Paradis
Retrouvé..
Tempo da narrativa:
Acelerado até o momento em que a Madame se
instala em São Paulo. Daí em diante o ritmo torna-se mais lento, com
cenas mais compactas.
Histórico: o início do século XX
Ponto de vista - narrador-testemunha.
Narrado em primeira pessoa sem
sua participação na história.
Análise crítica:
"Madame Pommery" é a crônica de uma prostituta bem
sucedida que "faz a América", mas que na realidade serve apenas de
pretexto para que o narrador trace, de forma bastante irônica e
humorística, as características de uma cidade (São Paulo) no momento
em que se moderniza, em que ingressa em um mundo mais civilizado,
talvez cosmopolita. É a crítica bem-humorada de falsas moralidades,
conservadorismos hipócritas e dos desregramentos de uma sociedade rica
porém provinciana.
A filiação literária do autor deve ser procurada no passado, a começar por
Rabelais (Pantagruel), passando por Tristram Shandy e por isso
tangenciando Machado de Assis. Sua linguagem, como a de Rabelais e
Sterne, é a linguagem da paródia, sem o esculacho do primeiro, mas com
toda a carga de humor irônico do segundo: neste sentido, machadiano.
"Madame Pommery", ao lado de suas qualidades literárias, o tom
parodístico, a linguagem falsamente elevada, "literária", como convém à
paródia deste tipo, tem, ainda, um lado documental, como relato da vida
noturna de SP/início do século, é a crônica da vida airada da cidade, com
a crítica de valores e costumes da época.
Os recursos técnicos, como acontece com a tradição deste tipo de
romance, são bastante variados, como em um exercício de técnica
literária. Destes, podem-se destacar o tipo de narrador escolhido (1a.
pessoa-testemunha), os relatos narrativos, panorâmicos, rápidos, sem se
deter no detalhe psicológico, sem maior esforço para pôr de pé suas
personagens (na realidade, pretextos). Uma cena em estilo dramático
(formada apenas por diálogos).
Além dos recursos acima, devem ser destacados aqueles em que se torna
mais evidente sua filiação literária. Estão neste caso:
interlocução
metalinguagem
ironia
alusões (literárias)
citações em itálico
linhas pontilhadas
digressões reflexivas
estilo dramático
A paródia, entre outras formas, aparece em frases latinas de aparência
solene, para descrever o ambiente sórdido de um lupanar.
O autor
Hilário Tácito é o pseudônimo do engenheiro José Maria de Toledo Malta,
nascido em 1885, Araraquara-SP e morto em 1951 na Capital do Estado.
Homem culto, porém retraído, pouco produziu no campo da Literatura.
Obra sua, de fôlego, apenas um romance: Madame Pommery. Entretanto,
são dele várias traduções, tanto do francês (Seleta dos Ensaios de
Montaigne) como do latim (odes de Horácio e o De natura rerum, de
Lucrécio). Insere-se, pelo período em que produziu o romance acima, mas
também pelo espírito da obra, no que se convencionou chamar de Pré-
modernismo.
Blog de Literatura do escritor Menalton Braff, autor de 26 livros e vencedor do Prêmio Jabuti 2000.
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