sábado, 24 de setembro de 2016

ESPIANDO POR DENTRO

Esta coluna reúne análises literárias escritas por Menalton Braff e publicadas originalmente em seu
site.

Título: Madame Pommery
Autor: Hilário Tácito

A Obra 

Madame Pommery, conforme declara expressamente seu narrador, é apenas uma crônica, não um romance - truque quase que convencional para que se atinja a veracidade e se "convença" o leitor. Efabulação: Filha de um domador de feras, um judeu polonês, e de uma noviça espanhola, Ida Pomerikowsky, a futura Madame Pommery, nasceu em Córdoba ou Cracóvia. Pequena ainda, sua mãe a abandona para fugir com um toureiro espanhol. Aos quinze anos já dançava ao pandeiro e lidava com as feras de um circo. Educada no ambiente circense, não foi difícil para um velhote ricaço de Praga estuprá-la. O pai de Ida exige do estuprador nove mil coroas, que afinal de contas vão parar, por mil tramóias, nas mãos da própria Ida. Ela foge e vai correr o mundo, como prostituta.

Depois de suas experiências por vários países, quase que por acaso (contratou uma viagem com um capitão de navio) chega ao Brasil.


Instalada em São Paulo, não se conforma com o atraso da vida noturna da cidade e depois de algum tempo monta um prostíbulo de luxo, que passa a ser a referência de boêmios e homens da moda. O dinheiro que ganha com tal atividade (cafetinagem) é suficiente para pagar o empréstimo inicial (aliás, pagamento em forma de superfaturamento do consumo de quem tomara o empréstimo) e ainda lhe resta uma fortuna apreciável.

De posse do dinheiro, Madame Pommery, obrigada por razões jurídicosociais a abandonar a profissão, resolve casar-se e escolhe, para isso, pessoa da mais alta sociedade de São Paulo, situação a que, por sua fortuna, também ascendera.

Personagens: 

Madame Pommery - ou Ida Pommerikowsky, protagonista, cuja vida é posta em crônica. Artista de circo, prostituta, cafetina de luxo, mulher da alta sociedade paulistana.

Zoraida - preceptora-cigana, com quem Ida aprende os segredos da vida que finalmente levaria.

Pinto Gouveia - capitalista paulistano, amante temporário de Madame Pommery, quem lhe financia os projetos.

Muitas prostitutas (nacionais e estrangeiras),

Feqüentadores diversos do Au Paradis Retrouvé (Ao Paraíso Reencontrado), lupanar de Madame Pommery.

Espaço

Aberto: inicia-se, apenas como relato narrativo, na Europa. Desenvolve-se, entretanto como principal espaço da narrativa, a cidade de São Paulo.

Fechado: as principais cenas narrativas dão-se no recinto de Au Paradis Retrouvé..

Tempo da narrativa:

Acelerado até o momento em que a Madame se instala em São Paulo. Daí em diante o ritmo torna-se mais lento, com cenas mais compactas. Histórico: o início do século XX

Ponto de vista - narrador-testemunha.

Narrado em primeira pessoa sem sua participação na história.

Análise crítica: 

"Madame Pommery" é a crônica de uma prostituta bem sucedida que "faz a América", mas que na realidade serve apenas de pretexto para que o narrador trace, de forma bastante irônica e humorística, as características de uma cidade (São Paulo) no momento em que se moderniza, em que ingressa em um mundo mais civilizado, talvez cosmopolita. É a crítica bem-humorada de falsas moralidades, conservadorismos hipócritas e dos desregramentos de uma sociedade rica porém provinciana. A filiação literária do autor deve ser procurada no passado, a começar por Rabelais (Pantagruel), passando por Tristram Shandy e por isso tangenciando Machado de Assis. Sua linguagem, como a de Rabelais e Sterne, é a linguagem da paródia, sem o esculacho do primeiro, mas com toda a carga de humor irônico do segundo: neste sentido, machadiano.

"Madame Pommery", ao lado de suas qualidades literárias, o tom parodístico, a linguagem falsamente elevada, "literária", como convém à paródia deste tipo, tem, ainda, um lado documental, como relato da vida noturna de SP/início do século, é a crônica da vida airada da cidade, com a crítica de valores e costumes da época.

Os recursos técnicos, como acontece com a tradição deste tipo de romance, são bastante variados, como em um exercício de técnica literária. Destes, podem-se destacar o tipo de narrador escolhido (1a. pessoa-testemunha), os relatos narrativos, panorâmicos, rápidos, sem se deter no detalhe psicológico, sem maior esforço para pôr de pé suas personagens (na realidade, pretextos). Uma cena em estilo dramático (formada apenas por diálogos).

Além dos recursos acima, devem ser destacados aqueles em que se torna mais evidente sua filiação literária. Estão neste caso: interlocução metalinguagem ironia alusões (literárias) citações em itálico linhas pontilhadas digressões reflexivas estilo dramático A paródia, entre outras formas, aparece em frases latinas de aparência solene, para descrever o ambiente sórdido de um lupanar.


O autor

Hilário Tácito é o pseudônimo do engenheiro José Maria de Toledo Malta, nascido em 1885, Araraquara-SP e morto em 1951 na Capital do Estado. Homem culto, porém retraído, pouco produziu no campo da Literatura. Obra sua, de fôlego, apenas um romance: Madame Pommery. Entretanto, são dele várias traduções, tanto do francês (Seleta dos Ensaios de Montaigne) como do latim (odes de Horácio e o De natura rerum, de Lucrécio). Insere-se, pelo período em que produziu o romance acima, mas também pelo espírito da obra, no que se convencionou chamar de Pré- modernismo.

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