quarta-feira, 19 de outubro de 2016

CANTIGAS DE AMIGOS

JULINHA ENSINA 

 (Iacyr Anderson Freitas*)

Não tive escola, o senhor mire e veja:
com tanto livro assim não há quem viva.
Ter estudo é não saber se a carqueja                 

é diurética ou depurativa.

Como entender quando leitura tanta
não nos salva da sarna com arruda?
Quando se esquece que com casca-de-anta
muito homem fraco anda sem ajuda?


Quem não cura ferida com arnica?
Mal de escarlatina, com mil-em-rama?
Catarro sem malva, como é que fica?
Sem tal ciência, não se sai da cama.

Para reumatismo, açoita-cavalo.
Angina se mata com alfavaca.
Com anil, ainda que em chá bem ralo,
nenhuma prisão de ventre empaca.

Pedra nos rins se quebra com abútua,
com urtiga-vermelha ou com bardana.
Melhor com duas, pois, se a dose é mútua,
moléstia alguma, olhe bem, nos engana.

Não desculpo estudo assim, tão em pencas,
que não sirva à vida: à sua, à minha,
às regras que regulo com avencas
em tisana, ou com chá de cavalinha.

As folhas de meu livro estão na horta,
no quintal, no relvado do poejo.
Ali nenhuma letra é letra morta,
e é literatura tudo o que vejo.

*In: FREITAS, Iacyr Anderson. Toda a gente. Livro incluso no primeiro volume da obra reunida do autor, intitulado A soleira e o século. São Paulo: Nankin / Funalfa, 2002.



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