quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

ESPIANDO POR DENTRO

Esta coluna reúne críticas literárias elaboradas por Menalton Braff e postadas originalmente em seu site www.menalton.com.br.

Livro Analisado: Vidas Secas
Autor: Graciliano Ramos

A obra  - Vidas Secas é a última obra de Graciliano Ramos, o mais importante escritor da geração de 30. Retrata a vida de uma família de retirantes nordestinos, que fogem da seca. Consequência da vida que levam, sua vida é elementarizada. Pouco falam, às vezes grunhem, gesticulam lentamente. Na primeira viagem, a fome os obriga a sacrificar um dos membros da família: o papagaio. Encontram, finalmente, um rancho abandonado, onde se instalam e de onde veem chegar a chuva. Ocupam a pousada até que chega o dono das terras, que contrata Fabiano como vaqueiro. Doente Baleia, Fabiano obriga-se a matá-la. O tempo passa e as chuvas deixam de cair. No capítulo "O mundo coberto de penas" antecipa-se nova seca. Novamente os retirantes juntam sua tralha e ganham a estrada.

Personagens:

Fabiano - Pai de família, homem rude, de poucas luzes. Anda de braços desasados, pernas tortas, quase nunca fala. O narrador, ironicamente, sempre que descreve o personagem, compara-o a seres elementares. Ele é uma extensão da natureza. Por outro lado, sempre que descreve a natureza, o
narrador antropoformiza-a, num nivelamento geral de todos os seres, mesmo os humanos. Analfabeto, seu grande ídolo é o Sr. Tomás da bolandeira.


Sinha Vitória - A mãe. Sempre quieta, responde através de monossílabos. Mas, da família, é quem tem o maior desenvolvimento intelectual. Consegue fazer contas (usando grãos de feijão). Faz as observações mais certas. Seu maior sonho era uma cama como a de seu Tomás da bolandeira.

Menino mais velho e menino mais novo - Sintomaticamente os meninos não têm nome. Nunca falam e vivem simbioticamente com as cabras.

Louro - Papagaio que pode ser considerado um membro da família. É comido para manter a família viajando.

Baleia - Uma das principais personagens. A parte final de seu capítulo é um longo trecho de prosopopeia (o sonho da cadela com as preás - o mundo cheio de preás - antes da morte). É o melhor sonho com um mundo melhor, que o narrador, em lugar de atribuir a seres humanos, empresta a uma cachorra.

Espaço: A caatinga no Nordeste. Região das secas.

Estrutura: Vida secas, tecnicamente, deve ser classificado como novela. É construído por meio de capítulos que independem entre si, isto é, um não decorre do outro, como ações encadeadas. Une-os, entretanto, o mesmo cenário inclemente, as mesmas personagens que quase desaparecem no cenário, a mesma luta permanente contra a natureza madrasta.

Narrador: O narrador em terceira pessoa, não interferente, mostra-nos, com detalhes, a realidade de uma família de retirantes. O afastamento do narrador, entretanto, se por um lado isenta-o de qualquer tipo de piedade, ao pôr-nos perante os olhos tamanha desgraça, provoca em seus leitores o sentimento piedoso que merecem pessoas com tão terrível destino. Por outro lado, como se trata de personagens zoomorfizados, o recurso ao discurso indireto livre ajuda-nos a entender sua psicologia simples, quase mineral.

Estilo: A economia verbal, a exatidão vocabular, "navalha afiada", no dizer de seu irmão João Cabral de Melo Neto, são talvez sua principal característica. Além disso, é talvez o que melhor convinha à descrição de cenário tão seco e inóspito, à descrição de personagens tão secas e mudas. O realismo, de Graciliano Ramos, não deve ser entendido como um neo-naturalismo. Sua literatura é de tensão dialética, pois não aceita um destino inexorável, como as três condicionantes do determinismo. Em Graciliano, a literatura se faz denúncia sem deixar de ser literatura. É a denúncia latente, existente na própria explicitação da vida de alguns seres humanos, sem a necessidade da interferência do narrador. O leitor que conclua, se quiser concluir.

Tema: É evidente que se trata da luta do homem contra uma natureza madrasta. Seu heroísmo ao resistir lutando sob as mais adversas condições. Sua fragilização ao viver em falta das mínimas condições que a civilização pode oferecer. Um sub-tema que convém ressaltar é o respeito pela autoridade (o governo).

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