quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

CANTIGAS DE AMIGOS

PEQUENOS ASSASSINATOS
(Affonso Romano de Sant'Anna)                                                                                                         
 
Vegetariano
não dispenso chorar
sobre os legumes esquartejados
no meu prato.

Tomates sangram em mim boca,
alfaces desmaiam ao molho de limão-mostarda-azeite,
cebolas soluçam sobre a pia                                                 e ouço o grito das batatas fritas.

Como.
Como um selvagem, como.
Como tapando o ouvido, fechando os olhos,
distraindo na paisagem o paladar,
com a displicente volúpia
de quem mata para viver.

Na sobremesa
continua o verde desespero:
peras degoladas,
Figos desventrados
e eu chupando o cérebro
amarelo das mangas.

Isto cá fora. Pois lá dentro
sob a pele, uma intestina disputa
me alimenta: ouço o lamento
de milhões de bactérias
que o lança-chamas dos antibióticos
exaspera.

Por onde vou
- é luto e luta.




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