sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

CONTOS CORRENTES

Fogo Selvagem
(*) (Ely Vieitez Lisboa)

                                                                 Todas as fêmeas foram aprisionadas, separadamente, na grande choupana. Eram virgens, belas, sadias e seriam entregues em sacrifício, uma a uma, nos próximos treze dias. Só assim a tribo teria colheita farta, estaria livre das tempestades e raios e não faltaria a carne tenra dos animais, para a caça. Assim era o costume.
          LUNA olha as companheiras adormecidas e se revolta; não quer morrer, não acredita na Lei. À noite, tentará fugir.
          Quando a Lua está alta no céu, ela força, com as mãos, uma brecha na palha da cabana e seu corpo esguio passa pela fenda. Os pés sentem a terra dura, ela se afasta lentamente, entre os arbustos. Quando está mais longe,
corre. Sente nas coxas, nas pernas nuas, as chibatadas dos ramos, sua pequena tanga branca se rasga nos espinhos que arranham sua pele macia. Durante horas ela corre, ofegante, rumo ao nada, para longe da cabana do sacrifício.
          Muitas horas depois, ela ouve o barulho das águas. Estava salva. Após a cachoeira, ficavam as cabanas dos liberados, dos que se acasalavam e procriavam para que a tribo não desaparecesse.
          Para. Na escuridão, só ouve o barulho da cachoeira e o pio de aves noturnas. À sua frente, uma choupana. Ela abaixa-se e entra. O chão é forrado de peles macias. É agradável sentir as peles junto ao corpo cheio de escoriações. Cansada, LUNA adormece.
          Hora depois, ainda na escuridão total, sente que não está só. Há um cheiro forte de macho ao seu lado. Ela tenta erguer-se, mas mãos fortes obrigam-na a ficar deitada. As grandes mãos alisam seu rosto, os seios, o ventre, o sexo. Mesmo assustada, ela gosta do apalpar firme, dos dedos que tateiam seu corpo. Ela espera e se entrega docemente. O macho enorme cobre-a, sem brutalidade, penetra-a, estremece sobre ela, de prazer.
          Durante a noite, várias vezes, o ritual se repete. LUNA começa a sentir alegria naquele acasalamento com o animal forte que resfolga sobre ela.
          De manhã o sol entra na choupana, iluminando-a. Ela é espaçosa e agradável. No canto, frutas frescas e água. Ela come algumas, muito doces, com o caldo açucarado escorrendo-lhe da boca, entre os dedos.
          Saciada a fome, ela sai da choupana. Vê então que não é o outro lado da aldeia, o dos liberados para o acasalamento. A choupana solitária fica em uma pequena clareira. E aí ela vê chegando o macho com que cruzara, à noite. Grita horrorizada! Ele é jovem ainda, escuro, muito alto e forte. Sua pele é toda ulcerada de feridas abertas, quase em carne viva. É a peste maldita, dos que são expulsos da tribo. À simples aproximação, contamina-se e não há cura.
          Enlouquecida, ela foge por entre as árvores, até a cachoeira. Lança-se nas águas, tentando depurar-se, limpar a pele, livrar-se da doença. Cansada, sai e deita-se sob uma árvore de copa cerrada. Dorme todo o dia e uma noite, como anestesiada pelo medo e pelo horror.
          Quanto tempo fica ali, sem saber o que fazer?
          Alguns dias depois, olha as mãos, os braços, os seios. Por todo o corpo aparecem manchas roxas, meio escuras.
          Nos pés, as úlceras já começam a surgir, deixando ver a carne viva, de um vermelho turvo, úmido, queimando como fogo.

(*) Conto do livro A Senhora das Sombras, Funpec-Editora – 2ª Edição, 2014.







Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças