terça-feira, 21 de março de 2017

MENALTON NA REVISTA OUTROS ARES, QUE ESTÁ VOLTANDO


A entrevista a seguir foi publicada na primeira edição da revista literária OUTROS ARES, que saiu de circulação por alguns anos e, segundo o editor  Rafael Rodrigues, será retomada em maio. 

A literatura tem um problema, sim, que é a falta de leitores

Nascido no município de Taquara, no interior do Rio Grande do Sul, Menalton Braff é um dos mais talentosos escritores brasileiros em atividade. Radicado no estado São Paulo há mais de quatro décadas, nos últimos anos a produção de Menalton vem sendo majoritariamente romanesca, mas isso não o impede de ser um dos mais brilhantes contistas brasileiros das últimas décadas.

Suas últimas duas coletâneas de histórias curtas são “A coleira no pescoço“, de 2006 – finalista do Prêmio Jabuti daquele ano, e de longe uma das melhores coletâneas de contos publicadas nos últimos anos – e “À sombra do cipreste”, de 2000, eleito Livro do Ano pelo Prêmio Jabuti daquele ano, na categoria Ficção.

Menalton Braff escreve de forma simples, mas não a ponto de sua prosa ser simplória. Seus últimos dois livros comprovam isso: os romances “Moça com chapéu de palha” (2009) e “Bolero de Ravel”
(2011) são simples porém sofisticados. O trabalho que Menalton Braff faz com a linguagem é invejável e digno dos maiores elogios.

Felizmente, assim como sua prosa, o autor é de uma simplicidade comovente, e prontamente aceitou o convite feito pela Outros Ares para nos conceder uma entrevista e também um conto de sua autoria, inédito em livro, que publicamos neste primeiro número com muita honra e orgulho.

Outros Ares: Vamos começar com aquelas perguntas clássicas: como e quando você começou a escrever? Em qual gênero você arriscou suas primeiras linhas?

Menalton Braff: Assim que aprendi a escrever, cinco anos de idade, eu quis escrever poesia. Gostava de ouvir e de contar histórias, mas na hora da escrita parece que tinha que ter métrica e rima. Isso durou até mais ou menos os catorze anos, quando me deu vontade de escrever um romance.

OA: Seus dois primeiros livros foram publicados sob o pseudônimo de Salvador dos Passos. Você foi perseguido politicamente pela ditadura e precisou “desaparecer” por algum tempo. Poderia falar um pouco sobre isso? Você chegou a ser preso por causa da militância?

Menalton Braff: Um amigo meu e eu rodávamos uns panfletos contra a guerra do Vietnã em um mimeógrafo de madeira, que na época era o que se tinha. Um sujeito que tínhamos por companheiro visitou-nos na sala onde trabalhávamos numa sexta-feira, no sábado meu amigo foi continuar o trabalho e o exército estava esperando que ele entrasse no prédio onde ele foi preso. Na segunda de manhã, quando ia chegando, desconfiei de umas pessoas com idade, cabelo, passos, pose, tudo militar. Já nasci desconfiado, por isso me escondi no Parque da Redenção, de onde assisti à revista que impuseram a todos que entravam no prédio. Nunca mais me encontraram. Nunca fui preso, mas fui obrigado a sumir e abandonar meu nome até a anistia de 1979.

OA: A distância entre seus dois primeiros livros e o terceiro, “À sombra do cipreste”, é de 14 anos. Por que esses anos todos? Existe alguma chance de republicar esses primeiros livros já esgotados (inclusive os publicados pela Palavra Mágica)?

Menalton Braff: Não publicaria os dois primeiros. Foram meus exercícios da formação. Depois deles fui fazer Letras e durante muito tempo fiquei digerindo a literatura, estudando teoria e principalmente aprendendo alguma coisa sobre técnicas narrativas. Não sentia coragem de escrever enquanto estivesse tão cru sobre esses assuntos. Acho que me fez muito bem ter parado esses anos todos. Foi a época em que mais li em toda minha vida. E também o período em que mais aprendi.

OA: Seus últimos dois livros “adultos” – os romances “Moça com chapéu de palha” e “Bolero de Ravel” – usam construções relacionadas à pintura (impressionismo) e à música (o andamento do Bolero) respectivamente. Quão interessado você é pelas outras artes? O quanto elas interferem em suas obras? Você pratica alguma outra forma de arte além da literatura?

Menalton Braff: Desde criança me interessaram todas as manifestações artísticas, mas a música, principalmente, sempre esteve em meu caminho. Antes de pensar em ser escritor, eu queria ser pianista. Estudei sete anos de piano e só parei quando descobri que precisava escrever. Hoje sou consumidor de música, principalmente a música erudita. Uma vez por mês vou a um concerto mensal que a Orquestra Sinfônica local apresenta. Além disso, sempre que posso vou a São Paulo para exposições de pintura, mas praticar como agente da arte, isso não, sou apenas um consumidor. Nunca tentei, por exemplo, escrever para teatro, e é uma manifestação artística que me encanta profundamente.

OA: Desde “A coleira no pescoço”, publicado em 2006, você não publica uma coletânea de contos. Você continua a escrevê-los? Quando poderemos ver uma nova reunião de histórias curtas escritas por você?

Menalton Braff: Continuo escrevendo contos, sim. Mas as editoras não gostam muito do gênero. Tenho uma coletânea pronta, “Jardim Europa”, que há vários anos espera sua vez, mas quando digo que também tenho um romance inédito, minha coletânea volta pra gaveta. Vou começar a esconder os romances. (risos)

OA: Apesar de o Brasil ter exímios contistas – Machado de Assis, Murilo Rubião, Osman Lins, entre outros -, o gênero parece ser um tanto menosprezado em nosso país. Você também tem essa impressão? Se sim, arriscaria dizer por que isso acontece?

Menalton Braff: Tenho essa impressão não, tenho certeza disso, pois faz parte de minhas relações com editoras. E me parece que é uma questão de mercado. Os editores costumam dizer que o público leitor prefere o romance, que conto encalha, essas coisas assim.

OA: As facilidades tecnológicas permitiram o surgimento de novas editoras pequenas, muitos escritores independentes e uma nova situação dentro das editoras tradicionais – o que faz com que caia sobre o próprio escritor a responsabilidade de divulgar sua obra. Você usa bastante a internet (com um site bem feito e um blog) e viaja muito, principalmente pelo interior de São Paulo. Como você vê o uso da internet para a divulgação da sua literatura e a interação com os leitores?

Menalton Braff: Não, eu não uso a internet a não ser para avisar aos amigos que estou lançando um livro novo. Eu não sou muito bom de navegação, não tenho Twitter, Facebook, essas coisas de contatos porque isso toma muito tempo, e tempo é mercadoria escassa no mercado. Tenho um site que atualizo sempre que surge algo novo, e dou minha agenda para uns dois, três meses adiante. No blog faço mais ou menos a mesma coisa, uma crônica, um conto curto, algumas notícias sobre meus itinerários, alguma resenha e pouca coisa mais. Mas viajo. Tenho sido convidado para feiras e palestras e atualmente faço disso minha profissão. Larguei o magistério e fui para a estrada. As viagens, contudo, não são para divulgação de meus livros. Se isso acontece, tanto melhor, mas não é o objetivo central. No dia 15 de abril, fui à Bienal do Livro de São José dos Campos, para o Papo de Autor. Meu tema era “O que é isso literatura?”, e foi o que desenvolvi. No fim, acabei autografando alguns “Bolero de Ravel”. Achei muito bom, pois não tinha viajado pensando que poderia autografar. Sabe, a divulgação se dá naturalmente, mesmo quando não faça parte dos propósitos da viagem.

OA: Conte um pouco sobre o Congresso de Escritores que a União Brasileira de Escritores prepara para este ano e o seu papel como diretor de integração nacional. Como fazer com que os novos escritores se interessem pela entidade?

Menalton Braff: Bem, a UBE, fundada sob a inspiração de Mário de Andrade, Sérgio Millet e outros intelectuais da época, tem o propósito de ser a entidade representativa dos interesses dos escritores brasileiros, a entidade que seja a interlocutora dos escritores com instâncias oficiais e particulares. Além disso é o espaço onde se dão as discussões sobre direitos autorais, censura, relações autor-editora e tudo aquilo que for de interesse dos escritores como segmento social. O último Congresso foi realizado em 1985, isto é, há vinte e seis anos. Há muitas questões que estão a exigir uma posição dos escritores como classe. É o caso, por exemplo, das diversas censuras, mas principalmente da censura social. Estamos vivendo um retrocesso de conservadorismo moral que causa preocupação. Só nos falta o surgimento de um índex para voltarmos à Idade Média. Precisamos discutir isso, precisamos botar a boca no trombone. Então resolvemos convocar um novo Congresso, que vai acontecer entre os dias 12 e 15 de novembro deste ano. Sou membro da comissão de organização do Congresso e estou na linha de frente, pois o mesmo vai acontecer aqui em Ribeirão Preto. Quanto aos novos escritores, não há muito o que se possa fazer. Eles só com o tempo vão percebendo a necessidade de uma organização que os represente. Mas procuramos atraí-los e a UBE está aberta à participação dos jovens.

OA: Fala-se muito de baixas vendas, pouco investimento nacional, pouca divulgação a escritores locais e baixa escolaridade – fatores que juntos ou separados formam o “problema” da literatura brasileira atual. Antes de tudo, a literatura tem problemas? Quais são os principais, na sua opinião, e quais seriam as soluções?

Menalton Braff: Bem, são muitas as variáveis. A leitura vai muito bem, as editoras e livrarias não se queixam, pois nunca venderam tanto. O problema começa quando se abre o termo “leitura” para ver o que tem dentro. Então se descobre que best-sellers, autoajuda e outros bichos da mesma espécie é que estão sendo consumidos no Brasil. A literatura vai mal do ponto de vista comercial. São poucos os leitores de literatura. É uma espécie de elite de leitores, aqueles que já apuraram o gosto e a sensibilidade. Então pode-se dizer que a literatura tem um problema, sim, que é a falta de leitores. Pouco investimento, pouca divulgação, isso só acontece porque não há retorno. Se as pessoas lessem literatura, as editoras investiriam, pode crer. Então é aquele negócio: as orquestras sinfônicas precisam ser subsidiadas pelos governos porque morreriam à míngua se dependessem de público. Por que não há necessidade de subvencionar uma dupla sertaneja? Porque o público consome. A lógica é a mesma. Vivemos um regime de mercado e a arte que não seja popular não sobrevive sem o mecenato governamental. A baixa escolaridade é um dos itens do problema, mas é bem secundário. Conheço muito professor que não lê mais do que um livro por ano. Conheço muito intelectual que nunca foi a um concerto. É uma questão cultural que, se tiver solução, será a muitíssimo longo prazo.


Leia a seguir o conto A dona da casa

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