quinta-feira, 22 de junho de 2017

MOTIVOS

 À sombra do cipreste


Raramente se sabe de um autor que tenha planejado um livro de contos antes mesmo de começar a produzi-lo. Conheço dois, três casos em que isso acontece. Autran Dourado, Luiz Ruffato são exemplos de livro de contos que seguem uma linha pré-determinada.

Meu caso, parece-me que seja o mesmo da maioria dos contistas. Os contos vão pedindo passagem sem lembrar-se de contos anteriores. Não existe uma linha. O que há é a ideia do momento, independente, sujeita ao caldo em que se mergulha, as circunstâncias motivadoras daquele assunto.

Desde nossa mudança para Serrana, em 1987, não conseguia mais escrever. A mudança drástica no modo de vida, rotina inteiramente outra, ambiente diferente, pessoas estranhas,
incertezas quanto ao futuro, enfim, nada ajudava o surgimento de alguma ideia aproveitável.

Mesmo assim, continuei tentando. Um parágrafo, uma página, algumas centenas de palavras. Mas isso tudo não passava de exercício. Eu sabia que não deveria perder o hábito de registrar palavras no papel. Naquele tempo era datilografia.

Nessa época, passei por outra crise que me derrubou ao mesmo tempo em que me salvou. Meus dois primeiros livros tinham sido produzidos sob uma forte influência de convicções políticas, e estava convencido de que o escritor tinha a missão de conscientizar o povo. Muitas leituras depois, comecei a entender que visão de mundo pode ter influência de ideologia, mas é maior do que isso. O ser humano é anterior a convicções políticas. Então, sem abandonar minhas convicções anteriores, comecei a ver a arte de modo diferente e isso me fez inflectir o que considerava literatura em direção diferente.

A partir dessas mudanças, passei a pensar a literatura como fundamentalmente um objeto estético e não um veículo de divulgação de ideias. Ou, pelo menos, que a veiculação de ideias (e não existe grau zero) teria de ser secundária, isto é, o plano da expressão como prioridade do objeto estético secundado pelo plano do conteúdo.

Foi quando me ocorreu uma cena que há muito tempo havia surgido na mente. A mulher lavando os pés do filhinho, depois jogando a água da bacia pela janela. Muitos anos essa imagem me acompanhou. Então resolvi escrever e criei O elefante azul.

Já eram anos que não conseguia produzir nada quando consegui esse primeiro conto, que me agradou. Me parecia que eu havia encontrado meu caminho. Continuei lendo muito e eventualmente surgia um tema e produzia outro conto.

Anos mais tarde, pareceu-me que havia contos suficientes para um livro. Passei então a estudar os contos em busca daqueles que pudessem formar uma tênue unidade. E o critério de escolha, então, passou a ser, de um lado, o ato falho, que expressava meu sentimento predominante à época. Mas no plano da expressão, busquei todos aqueles que de algum modo lembrassem uma tendência impressionista, um forte cromatismo, o debuxo em lugar da linha nítida. E foi assim que surgiu À sombra do cipreste, o livro com que conquistei o Jabuti.

Em 1999, a Editora Palavra Mágica, às minhas expensas, publicou À sombra do cipreste.

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