Dos tempos
“ Todas as coisas têm seu tempo, e
todas elas passam debaixo do céu segundo o termo que a cada uma foi prescrito.
Há tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou.” Eis o que se
encontra no terceiro capítulo do Eclesiastes.
Conheci a Ely Vieitez Lisboa com as mangas arregaçadas em pleno plantio.
Depois fui aos poucos descobrindo que plantar era sua vocação, talvez sua
compulsão. Agora o tempo é de colher, como prescreve o Eclesiastes, mas, ao
colher, lá está a Ely novamente plantando.
Seu mais recente livro, Tempo de Colher, é uma coletânea de
textos que ao longo dos anos a
autora veio semeando entre nós, com a sobriedade
que esperamos da mestra, mas com a leveza que se conhece da artista.
Não é à toa que os romanos tinham o verbo lēgere para dois tipos de ação, que fomos esquecendo, cada vez mais
pragmáticos e apressados. Ler e colher, ou recolher, ambos eram designados pela
mesma palavra: lēgere.
O título, portanto, contém este tipo de ambigüidade: pode ser lido como
uma metáfora ou como o sentido próprio das palavras. Para a autora e o leitor,
o tempo é de leitura.
Os temas de suas crônicas vão da simplicidade cotidiana de um pombo no
beiral de um prédio, visto com os olhos da poeta “É aí que o vejo, no beiral do
prédio da Caixa Econômica, colorido, pomposo. Não. O primeiro olhar sempre
trai. Ele é muito bonito, mas está triste. Reparando bem, até infeliz. Deixa a
cabecinha tombar sobre o peito. Tristeza e desolação.” ao sublime de “Com os anos, mudam-se os
valores, os conceitos. O que é hoje, por exemplo, ser santo? Quais as
qualidades que se apontam para se comprovar a santidade do ser humano? O homem
é uma criatura inacabada na sua tentativa de (às vezes) ser bom, digno,
íntegro, santo.” Das ruas lhe vem a vida que registra, ora com a sensibilidade
do pombo no beiral, ora com a sabedoria da mestra, como no seguinte fragmento,
falando da águia: “Verdade ou não, é uma lição sábia. Primeiro, a coincidência
da longevidade, meio semelhante à humana. Nós, também, aos quarenta, perdemos a
capacidade da caça, força para a luta e nossas penas começam a pesar quando
alçamos os voos dos sonhos alimentados na juventude.”
Da vida em seu estado bruto, como empiria, dos conceitos abstratos, as
grandes questões do ser humano, e principalmente da arte, sobretudo o cinema e
a literatura, disso tudo é que a autora faz um registro magistral, como
pensamento e como expressão.
É dela que Edward Lopes afirma no prefácio: “É bom, então, que aceitemos
o convite de Eli Vieitez Lisboa nos faz para viajar com ela, através dessas
páginas. Observadora atenta da nossa história cotidiana − é no ramerrão do dia-a-dia que se traça o
risco da verdadeira história do homem, e Ely as tem para todo gosto e apetite.”
Discorrendo sobre o conto como gênero literário, a autora termina o texto
com este parágrafo primoroso:”A Literatura, os costumes e o próprio homem são
algo vivo, dinâmico e de extrema complexidade. Estabelecer regras fixas e
imutáveis para entender o ser humano e seu mundo é mera falácia, total perda de
tempo.”
Agora sim, agora é tempo de encerrar.
Título: Tempo de colher
Autora: Ely Vieitez Lisboa
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