sábado, 14 de outubro de 2017

ESPIANDO POR DENTRO

Título: Primeiras Estórias
Autor: João Guimarães Rosa

A OBRA

"Primeiras Estórias" foi publicado em livro em 1962, constitui-se de 21 contos. 1. As margens da alegria - tom lírico reflexivo, primeira viagem de um menino, descoberta do mundo: a crueldade (peru) x beleza e alegria (vagalume).

Invenções: justinhamente "Era uma viagem inventada no feliz."

Diminutivos enfáticos: confortavelzinho.

2. Famigerado - "- Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado...faz-megerado...falmisgeraldo...familhas-gerado...?" "- Famigerado é inóxio, é célebre, notório, notável..." Triunfo da esperteza sobre a ignorância. Metalinguagem.

Registro culto x coloquialismos

3. Sorôco, sua mãe, sua filha - A resignação de Sorôco, que precisa internar a mãe e a filha, suas únicas parentas. A solidariedade da vila: o momento em que todos cantam juntos. Oralidade e
sonoridade: "...atrelado ao expresso daí de baixo..." - narrador testemunha (contador de histórias).

 4. A menina de lá - espaço (ficcional) imprecisão: para trás da Serra do Mim, quase no meio... personagem: Maria ou Nhinhinha (mágica) milagrosa. Espanto: "Tatu não vê a lua..." Nem quatro anos. Com o tempo começa a prever. O que pensa acontece. Um dia pensa num pequeno caixão cor-de-rosa e morre.

5. Os irmãos Dagobé - alusão irônica: "Viviam em estreita desunião..." A imaginação popular x o real: Liojorge vai sofrer a vingança dos três irmãos mais novos. Todos acreditam nisso. Vitória da justiça: matara em legítima defesa. Damastor que era mau e perverso. Merecia morrer. "Damastor, o grande pior." Alegria dos três irmãos remanescentes, einfim livres do grande pior.

6. A terceira margem do rio - O narrador é o filho de um homem que, sem razão aparente, embarca em uma canoa e não volta mais a pisar chão nem capim. Não responde aos apelos da família, ninguém conhece suas razões, nunca mais desembarca. Obra aberta - sem explicação Terceira - espaço metafísico "escavação da essência, do inconsciente, do eterno e do infinito. A viagem ao centro do próprio ser em busca do autoconhecimento. Destino trágico. "Sou culpado do que nem sei..." - existir = culpa.

Coloquial recriado. "Era a sério." O espanto inicial com o insólito, o hábito, a mitificação (Noé), depois a aceitação.

Rio, metáfora de vida, curso, o transcorrer Alguns elementos fantásticos: o vulto, da parte de alguém

7. Pirlimpsiquice - O narrador, "ponto" da peça que os alunos ensaiam, tem de assumir um papel importante de improviso, na peça. Esquece as falas iniciais e é salvo da imensa vaia dos baderneiros porque Zé Boné (a fantasia) - gestos de cowboy inicia o improviso de uma peça "faz-de-conta". A fantasia salva a realidade.

Oposição entre a espontaneidade e conteúdos estabelecidos. Erudito x popular: embair x centerfór alvitrar x pito dirimir x sento o braço "Dr. Perdigão" - sátira da linguagem grandiloqüente, latinista empolado.

GR - o inventor de palavras (êxtase) - pirlipsiquice. 8. Nenhum, nenhuma - Uma história que começa pela negação. O Menino (narrador) tenta recuperar na memória (fragmentos) lances de sua vida. Mas existem obstáculos de identificação.

Regionalismo transcendente. Dissolução do lugar // fantasia: "...à beira da mata de algum rio, que proíbe o imaginar." Dissolução de personagens: "...onde se achava um homem sem aparência..." , "A Moça, imagem." A velhinha que de tão velha ninguém mais sabe quem é. Crise de identidade: nenhum, nenhuma. Interpretação possível: processo freudiano de criação - recuperação da memória.

Amor à moça (mãe) x ódio ao moço (pai).

Recusa da moça (assexualidade) - ñ reconhecimento dos pais (q o geraram - ato sexual).

9. Fatalidade - Fatalidade é o tema (a morte) do conto, narrado em 1a. pessoa-testemunha. São personagens Meu Amigo, delegado filósofo, que já foi de tudo na vida, e Zé Centeralfe, caboclo perseguido por um valentão que lhe quer roubar a esposa. Tentam de tudo para fugir aos assédios do valentão, sem nada conseguir. Finalmente o delegado filosofa que arma de fogo é para isso. Saem os dois, o delegado e o capiau, e ao encontrarem o valentão, ouvem-se dois tiros.

No boletim de ocorrência, o delegado escreve que ele resistiu à voz de prisão. Sintaxe: "Meu amigo sendo de vasto saber..." , "O qual, vendo-se que caipira ar e traje."

Barbarismos e elipses. "adonde" barbarismo popular. Um homem quebra a ordem do sertão. A lei (delegado) o elimina para que tudo volte à harmonia. 10. Seqüência - Novamente o tema da força do destino irrecusável. Um jovem sai em perseguição de uma vaca fujona. A perseguição torna-se, de repente, insensata. Anoitece e ele continua perseguindo. Já nem sabe por quê. A vaca, na realidade, tem um sentido mágico: é o fio que o conduz para que o destino se cumpra. No final da história, quando chega à fazenda (querência) destino da vaca, o jovem encontra o amor.

11. O espelho - Mais um conto de tema metafísico, transcendente. O conto não é uma narrativa com história, intriga, no sentido tradicional. É uma experiência, como o próprio narrador personagem declara. O conto é como um jogo da verdade. O espelho é o instrumento da análise. O narrador vai descendo em suas experiências até não encontrar mais sua imagem: as máscaras (aparência) vão sendo destruídas. Por fim, começa a emergir no espelho uma outra imagem "...um rostinho de menino, de menos-que-menino."

Linguagem erudita - significando o fascínio exercido pelo espelho sobre cientistas e filósofos de todos os tempos.

12. Nada e a nossa condição - Narrador em 1a. pessoa, testemunha. Personagem central é Tio Man'Antônio, mais um dos loucos iluminados de Guimarães Rosa. O lugar (espaço) é uma utopia: "... cuja sede distava de qualquer outra talvez mesmo dez léguas, dobrava-se na montanha..." É a instauração do espaço ficcional. Tio Man'Antônio, depois de casado resolver doar quase tudo que tem àqueles que trabalham com ele. A iluminação: os haveres materiais de nada valem.

Recursos: aliterações - "...leigos, ledos, lépidos...", "...dobrada dobadura, a derrubarem mato..."

Arcaísmos: leixamente

Latinismos: requiescante 

13. O cavalo que bebia cerveja - História misteriosa de Reivalino, empregado de Giovânio, um italiano que mora em um casarão sem mobília e onde ninguém pode entrar. Para aumentar o mistério, ele tem um cavalo que toma cerveja. O empregado odeia o patrão por causa de suas diferenças. Por fim, morre-lhe um irmão o "Josepe" e o mistério é quase revelado: ninguém sabia da existência desse irmão, que jamais foi visto. Ele tem o rosto todo desfigurado por ferimento na guerra. O italiano morre e deixa tudo o que tem para o Giovânio, que pouco antes havia feito as pazes com Giovânio. O tema do conto é o próprio mistério - a não aceitação daquilo que é diferente.

14. Um moço muito branco - Depois de um fato pavoroso, inexplicável (terremoto, tempestade) aparece em uma fazenda um moço de bom parecer físico, mas em petição de miséria. Deve ser um santo. Opera milagres e espalha bondade e poesia. Um dia desaparece, assim como aparecera: inexplicavelmente.

15. Luas-de-mel - Exaltação do amor. Um conto de fazendeiros e jagunços, coragem e bravura. Dois jovens fogem para casar e cria-se a expectativa da vingança do pai da noiva. Protegidos por um amigo do pai do rapaz, casam-se e, com este ato, provocam o rejuvenescimento do amor do velho fazendeiro por sua esposa. Mais uma vez, na temática roseana, a vitória da harmonia, da vida, do bem sobre o mal. Oralidade narrativa: 1a. pessoa.

16. Partida do Audaz Navegante - A história de Brejeirinha, menina poeta, que vive inventando histórias e intuindo a possibilidade de utilizar ironicamente palavras que não entende. Livre fusão do real (ela, Pele, Ciganinha e Zito) e do imaginário ( o Audaz Navegante). As histórias se entrelaçam e influem uma na outra. Barbarismos explorados poeticamente.

17. A Benfazeja - Este é um conto sobre a hipocrisia. A Mula-Marmela "furibunda magra, de esticado esqueleto, e o se sumir de sanguexuga, fugidos os olhos, lobunos cabelos, a cara... a selvagem compostura." Apesar de tal descrição, ela é a benfazeja, pois casa com Mumbungo, "muito criminoso, homem de gostar do sabor de sangue, monstro de perversias." Ela limpa o vilarejo matando seu marido. O crime é um mistério e além disso a vila, em lugar de agradecer-lhe, acusa a mendiga. Seu filho com o bandido, o cego Retrupé continua a senda de maldade de seu pai, até que a Mula-Marmela o torna cego, com umas ervas e servelhe de guia até que o estrangule também. Seu gesto final (simbólico) é recolher um cachorro morto por várias razões sugeridas pelo narrador que termina (...) para com ele ter com quem ou quê se abraçar: na hora de sua grande morte solitária? Pensem, meditem nela, entando."

18. Darandina - É a história de um louco que, do alto de uma palmeira, questiona a própria loucura, à maneira do Simão Bacamarte. Além dos aspectos psicológico, sociológico, político e metafísico entrelaçados no conto, deve-se destacar os recursos poéticos utilizados: - invenção - visvi - vislumbrou-se-me, vice-vi - aliterações: sujeito de trato tão trajado - maior, mesmo, majestosa - o céu só safira - conforme confere confirmava - tênue tambor taquigráfico - seqüência - Riu, ri, riu-se, rimo-nos. O povo ria. - Linguagem erudita: empírico, anermenêutico, ingente, axioma - Linguagem popular: marombar, quase quasinho quasezinho, quase... - finório, quiquiriqui - Universalidade: "Viver é impossível."

19. Substância - É mais uma história de amor. A descoberta do amor. Maria Exita, abandonada pela mãe leviana, tem o pai leproso e os dois irmãos bandidos. Mas ela, acolhida por Sionésio inteiramente entregue a seu trabalho, sofre um processo de purificação progressiva, provocada pela brancura (pureza) do polvilho. Sionésio apaixona-se por M.Exita e os dois se encontram em um momento de sublime beleza literária. Observar a notação fonética dos nomes: Maria Exita (Mariasita), Sionésio (senhor Onésio) e Nhatiaga (senhora Tiaga). Essa é uma das marcas de G.Rosa.

20. Tarantão, meu patrão - Tarantão, de atarantado, doido é mais um dos muitos loucos-iluminados de G.Rosa. Ambiente medieval, pela cavalhada, pelo aspecto quixotesco de Tarantão. Encabeça uma turma de cavaleiros (gente desocupada, quase-bandidos, etc) e se dirige à casa de um sobrinho gritando ameaçador que vai matá-lo. Ao chegar à cidade, encontra a casa do sobrinho em festa, batizado de uma filha do sobrinho. É este o motivo (pureza da criança) de a ordem ser restabelecida. Ela "pide" a palavra, discursa uma engrolada tão comovente quanto ininteligível, senta-se com seu séquito a uma das mesas e festeja. Tema recorrende em Guimarães Rosa: Turbulência e a harmonia restabelecida.

21. Os cimos (o inverso afastamento) - Retomada do tema do primeiro conto, "As margens da alegria", a descoberta do mundo, o deslumbramento da descoberta, a tristeza obrigatória, a alegria necessária para o crescimento no mundo, a travessia.


O AUTOR

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) em 1908 e morreu no Rio de Janeiro em 1967.

Filho de pequeno comerciante, iniciou estudos na cidade natal. Fez o secundário em Belo Horizonte, demonstrando gosto pela natureza e por línguas. Formado em Medicina, prestou o Concurso Rio Branco, tornando-se um diplomata de carreira. Em toda sua obra, apenas um romance: Grande sertão: veredas.

Características 

A matéria de seus contos é o sertão, o que denunciava mais um escritor regionalista. Mas Guimarães Rosa estava longe de ser apenas mais um regionalista. Sua literatura eleva o regionalismo a alturas ainda não experimentadas. Pode-se dizer que era um regionalista-universalizante. Sua literatura reinventa o modo de considerar a linguagem. A linguagem é o estuário onde se desenvolve a vida, todas as suas experiências, todas as invenções possíveis.

• Neologismos - maravilhal, fiúme, levantante, retrovão, deslei, abrumalva, etc. Arcaísmos asinha, à guisa, almargem, tamanho(tão grande), leixamente Regionalismos - Urucuia, "gerais", linguagem, nomes, plantas

• Latinismos - requiescante, Metafísico - aura do convívio entre o sagrado e o demoníaco, cavaleiros feudais GR, tendo o sertão como fundo, cenário, tematiza questões universais do ser humano. Deus, ausência de medo, negação de sentimentos negativos, aceitação de sentimentos positivos, sobretudo, Amor, Verdade, Vida. Fusão: homem-divindade. Em Primeiras Estórias: personagens, ação, espaço se fundem. Tudo é símbolo, tudo é transcendência.

• Epifania - o momento da iluminação. 

Multiplicidade de tons: jocoso, patético, sarcástico, lírico, arcaizante, erudito, popular, pedante.

Multiplicidade de subgêneros: fantástico, psicológico, autobiográfico, episódio cômico, anedota, reminiscência, a sátira Unidade e diversidade




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