terça-feira, 17 de outubro de 2017

ORELHA

Esta coluna reúne apresentações de livros escritas por Menalton  Braff em algum momento.

Um   

Geraldo Lima pertence à linhagem dos escritores conscientes de que a primeira exigência que se faz a um trabalhador, qualquer que seja, é o conhecimento de sua ferramenta. Nele são visíveis o domínio da linguagem literária e das técnicas narrativas. Seu texto é moderno, sem cair nas armadilhas de moda nenhuma.
Um é uma novela em que se convida o leitor a fazer um terrível mergulho no inferno em que vive Paulo, o protagonista. Ex-seminarista, acaba de passar por uma experiência mística, que o expõe de corpo nu (seria melhor dizer de mente nua?) vivendo em plena fogueira de seu conflito: de um lado, o desejo carnal em estado de violência, que o domina obsedante; de outro, a certeza de sua vocação espiritualizante, cuja realização exige-lhe pensamentos puros e castos, que já não pode alcançar.
Ana, com quem vive alguns anos, e Ariadne, sua quase-amante, são as mulheres com quem ocupa a mente em luta contra os apelos do espírito, representados pelo padre Artur, seu antigo
conselheiro espiritual.
A novela é um solilóquio do protagonista, que, em muito poucas ocasiões, indicia um interlocutor silencioso, que apenas ouve. É o caso do seguinte fragmento: “E aqui devo-lhe revelar
algo terrível...”. Tudo se passa no apartamento do professor e ex-seminarista, numa única noite, como se depreende de passagens como “...tanto que posso, neste instante, na desordem silenciosa do apartamento...”.
Há momentos antológicos, em sua narrativa, como a descrição da primeira vez em que Ana se desnuda em sua frente: “Meus olhos encheram-se de lágrimas, e meu corpo, devastado pelo fogo, quis as vastidões de gelo, os abismos oceânicos.”, ou o parágrafo que segue:
Dizem que em todos nós há ainda algum resquício de canibalismo, que o espírito de civilização foi subjugando ao longo dos tempos, mas que costuma escapar da jaula da razão sempre que o amor mais louco se apossa de nós. Desejo de devorar o outro vivo, mastigar-lhe a carne, a alma, possuí-lo para sempre.
A exemplo de autores como Clarice Lispector de Água viva ou Paixão segundo GH, Geraldo Lima, o que nos oferece, antes do que a ação pura e simples de uma personagem, é muito mais a paisagem de um cérebro em funcionamento, agônico, diga-se de passagem, mas no sentido do embate que trava entre os dois extremos.

E é embalados pelas reflexões, bastante agudas, muitas vezes, que vamos ao fim de um romance, ou novela, como a classificou o autor, onde se debatem assuntos como a vida espiritual, os desejos da carne, o suicídio, o amor e a solidão. A imensa solidão em que Paulo se sente mergulhar. 
Título: Um
Autor: Geraldo Lima
Editora: LGE

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