(Lelia Maria Romero)
El sueño de la razón
produce monstruos.
(Francisco Goya)
O sonho sem portas. A mesma imagem em salas diversas, muros
de areia movediça. Janelas chamavam para um horizonte sem fim. Nas paredes
repetidas e ampliadas, janelas suntuosas pintadas à tromp- l’oeil configuravam
um apelo: –Venha. Com horizonte ou não, vista larga ou imediata, apareciam e
desapareciam por noites seguidas. Flores escorriam nas paredes das quais imaginava sentir o
perfume. Fileiras de janelas abertas se ofereciam nas paredes de pé direito
alto, amplas, brancas, opressoras. Dava as costas à janela e avistava outras na
parede oposta e mais à direita e à esquerda. Não dormir era o caminho para não
vê-las. O que queriam mostrar? – Venha. Paisagens se apresentavam em
perspectiva. Quem sabe encontraria os labirintos dos jardins ingleses, gerânios
em cascata nos pátios de Córdoba, as fontes dos jardins persas ou uma goiabeira
esquecida num fundo de quintal.
Uma noite decidiu enfrentar. Pularia a janela, atravessaria
o jardim, beberia da fonte, ganharia os campos, chegaria na estrada,
encontraria uma porta. Não dormia. O medo de não conseguir trouxe a
insônia e
os monstros do sonho da razão. Teria descoberto o caminho? Queria se vestir de
fúcsia, queria tocar o fuso do sono mágico e ser invisível às paredes, passar incólume por suas
transparências e seguir os sinais em direção da porta. Dormiu e não sonhou.
“Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé
de uma parede sem porta”, leu em Tabacaria. A decisão foi a saída, o enfrentamento
a resposta. Essa era a porta. Passou a dormir melhor até que as paredes
voltaram. Pesadelo. No limiar do pânico, escolheu uma janela e ao se debruçar
sentiu o parapeito quente de sol, saltou, se deixou planar longe, como uma
pena. Seus pés tocaram o chão perto de uma mureta de pedras muito baixa, da
altura dos joelhos. Diante dela, uma porta colossal de madeira gasta. Nem chave
tinha. As mãos emolduraram a maçaneta fria, girada lentamente e sem
dificuldade. Trancada. Acordou com o travesseiro na boca. Entrou na ducha de cabeça,
se vestiu, pegou uma fruta e saiu sem se olhar no espelho.
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