segunda-feira, 19 de março de 2018

CRÔNICA

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff publicadas originalmente em seu site ou em revistas.

Apenas um filhote

O Rubem Braga, mestre de todos nós que nos despimos em público, porque ele o fazia com olhar de poeta, disse, em uma de suas crônicas, que, ao ver nascendo um pé de milho no jardinzinho na frente de sua casa, dois metros quadrados, sentiu-se um fazendeiro. Ultimamente ando me envolvendo com pássaros e devo sentir alguma coisa, mas ainda não sei bem o que seja. Talvez acabe também fazendeiro, imitando o mestre.

Pois bem, ontem me apareceu um filhote de andorinha na varanda aqui de casa. Ele piou com tal intensidade que me botei a procurá-lo. Encontrei o filhote escondido atrás de um vaso de calanchoe. O bichinho ficou imediatamente mudo, pois, em lugar da mãe, que ele estava chamando, o que lhe apareceu foi um monstro horrível.

Levei a mão aberta em sua direção, num gesto que qualquer um deveria entender tratar-se de uma oferta de ajuda, mas que a avezinha interpretou como ameaça à sua pequena vida. Saiu batendo as asas, que foram feitas para cortar espaços, ou para planar em longos círculos, mas elas ainda não tinham treinado o suficiente. Mal conseguiu uma altura de mais ou menos um metro, já teve de aterrissar, por causa do cansaço. Mas ele tinha uma vida a preservar, por isso manteve-se atento.

Contornei alguns obstáculos e me aproximei novamente. Era minha ideia proteger o filhote de andorinha, mesmo contra sua vontade. Às vezes é assim, o bem praticado à revelia do beneficiário.
Acontece, principalmente quando se trata de seres começando o aprendizado da vida. De longe consegui ver seus olhinhos pretos e redondos, que brilhavam de pavor. Então adivinhei seu pequeno coração descontrolado, com seus duzentos e cinquenta batimentos por minuto.

Quando novamente estendi o braço querendo pegá-lo, ele, que não me compreendeu, fugiu para o jardim. Lá, a cena repetiu-se duas, três vezes, até que me lembrei de uma história antiga.

A esposa do elefante passava por uma trilha da floresta quando se deparou com um filhote de pardal no chão, tremendo de frio. Condoída com a sorte do filhote, ela deitou-se em cima dele para aquecê-lo.

Existem estes casos de proporcionalidade mal compreendida, como no filme Rocco e seus irmãos, do Luchino Visconti, em que a bondade torna-se trágica.

A lembrança da história repuxou-me a consciência e deixei que ele sozinho fosse cuidar de sua vida. E fui cuidar da minha, que já não é pouca coisa.  

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