segunda-feira, 2 de abril de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.

O SOL NA CABEÇA

Hoje o dia chegou devagar, com o céu encoberto, por trás de umas nuvens cinza, e eu me senti quase feliz. Sim, porque aqui no interior, onde o Sol é pouco menos que uma presença online (exceção para aquelas horas em que precisamos de iluminação artificial), meu corpo sofre tanto quanto meus olhos, pois me sinto naquele deserto em que nem um arbusto existe para que o infeliz se abrigue num palmo de sombra. É torturante. O corpo ferve, os olhos cegam.

Mas que acabei descobrindo? As pessoas que já nasceram neste regime de fogo permanente sofrem com a ausência de seu Apolo do mal, que para alguns é castigo e para outros bem-aventurança.

Se você, caro leitor, está pensando que preferi falar de sol, calor, clima, essas coisas corriqueiras, para fugir de comentários sobre os acontecimentos da semana, os acontecimentos que nos atingem a todos, os amantes do sol e seu calor como aqueles que preferem o abrigo de uma sombra, você está redondamente certo. Primeiro porque não me agrada comentar a vida política da Nação, mas isso até pode ser secundário. A principal razão por que me aborrece comentar a vida pública do País, é que no Brasil as notícias deste naipe já estão tão repetitivas que qualquer mente menos esclarecida é capaz
de predizer com certa exatidão tudo que vai acontecer no mundo político, como no jurídico, incluindo o policial. Ah, não, fazer profecia não é minha praia, tampouco é construir a história. Fico na minha.

Isso que aí fica, lembra-me uma ocasião em que um grupo, depois de ler meu romance Na teia do sol, convidou-me para um bate-papo a respeito do mesmo. Um dos leitores me questionou sobre o modo impiedoso com que tratei o astro, que, com muita razão, meu interlocutor afirmou tratar-se de fonte da vida. Não discordo. Sem ele, o Sol, animais e vegetais deixariam de existir. Mas com sua presença exagerada, muitos animais e vegetais não conseguem sobreviver. Se dá vida, ele também mata.
O difícil de entender, parece que é esta dualidade. A maioria prefere simplificar tudo maniqueisticamente. O mal é mal, o bem é bem.

Ora, em literatura, desde o Dostoiewski, esta oposição deixou de ser absoluta. Entre o mal e o bem existe uma área de mediação, e muitas vezes o que parece o bem acaba se transformando no mal. Estão lembrados da fêmea do elefante, a aliá, agasalhando o filhote de pardal?

Mas preciso parar por aqui para aproveitar alguns minutos debaixo deste céu cinza tão lindo, porque mesmo nós, os das sombras, temos direito a alguns momentos de alegria.

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