Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.
O Interior existe
Portanto, eis aqui minha terceira carta do interior. E as cartas do interior são o resultado de várias circunstâncias: local onde vivo, sugestão de várias outras cartas que fui ao longo da vida conhecendo. E isso numa época em que já quase não se usa a carta, aquelas cartas em que o autor refletia sem pressa sobre a vida, o mundo em que vivemos, nossos valores, nossas atitudes. Vou tentar em poucas e “maltraçadas linhas”
alinhavar meus motivos.
Por que do interior? Ora, o interior existe, apesar do pouco relevo que se lhe dê na mídia, cujo império na formação dos valores e do gosto é quase em absoluto o que existe em algumas capitais. Além disso, vivo no interior. Não sou do interior, mas estou no interior. Conheço pessoas que se orgulham de ser do interior. Por quê? Uma espécie de pertencimento que não “fede nem cheira”. Uma adesão como se fosse torcida de futebol. Todos nós, seres humanos, estamos em primeiro lugar no mundo. E mundo, para nós, é um só.
O que se entende, da leitura das cartas conhecidas, é que o forasteiro percebe usos e costumes dos, digamos, nativos com muito mais clareza do que estes. Quem está imerso no oceano não o vê. O natural de um lugar naturaliza seu entorno. O forasteiro distingue as diferenças. Macunaíma, em
Carta às Icamiabas, faz comentários até sobre a linguagem da cidade: “Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra. (...)” E segue comentando as diferenças encontradas na cidade.
Outro clássico em que podemos encontrar o fenômeno é aquele Usbek, um persa, em visita a Paris. Aquilo que os franceses viam como natural, o persa comentava como estranho. E foi assim que Montesquieu falou dos costumes naturalizados pelos franceses, como se fossem universais, pela escrita de Usbek (personagem de ficção) em seu Lettres Persanes.
Não sei aonde minhas cartas vão chegar, quem vai aplaudi-las, quem vai apupá-las, quem vai ver-se retratado em algum canto do texto. Alguns vão sentir-se eufóricos, outros disfóricos, porque assim é a sina do cronista: ele fala a alguém sem ver-lhe o rosto.
Blog de Literatura do escritor Menalton Braff, autor de 26 livros e vencedor do Prêmio Jabuti 2000.
Páginas
- ALÉM DO RIO DOS SINOS
- AMOR PASSAGEIRO
- Noite Adentro
- O Peso da Gravata
- Castelo de Areia
- Pouso do Sossego
- Bolero de Ravel
- Gambito
- O fantasma da segundona
- O casarão da Rua do Rosário
- Tapete de Silêncio
- À sombra do cipreste
- Antes da meia-noite
- Castelos de papel
- A coleira no pescoço
- Mirinda
- A Muralha de Adriano
- Janela aberta
- A esperança por um fio
- Na teia do sol
- Que enchente me carrega?
- Moça com chapéu de palha
- Como peixe no aquário
- Copo vazio
- No fundo do quintal
- Na força de mulher
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