segunda-feira, 9 de abril de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.
O Interior existe

Portanto, eis aqui minha terceira carta do interior. E as cartas do interior são o resultado de várias circunstâncias: local onde vivo, sugestão de várias outras cartas que fui ao longo da vida conhecendo. E isso numa época em que já quase não se usa a carta, aquelas cartas em que o autor refletia sem pressa sobre a vida, o mundo em que vivemos, nossos valores, nossas atitudes. Vou tentar em poucas e “maltraçadas linhas”
alinhavar meus motivos.

Por que do interior? Ora, o interior existe, apesar do pouco relevo que se lhe dê na mídia, cujo império na formação dos valores e do gosto é quase em absoluto o que existe em algumas capitais. Além disso, vivo no interior. Não sou do interior, mas estou no interior. Conheço pessoas que se orgulham de ser do interior. Por quê? Uma espécie de pertencimento que não “fede nem cheira”. Uma adesão como se fosse torcida de futebol. Todos nós, seres humanos, estamos em primeiro lugar no mundo. E mundo, para nós, é um só.

O que se entende, da leitura das cartas conhecidas, é que o forasteiro percebe usos e costumes dos, digamos, nativos com muito mais clareza do que estes. Quem está imerso no oceano não o vê. O natural de um lugar naturaliza seu entorno. O forasteiro distingue as diferenças. Macunaíma, em
Carta às Icamiabas, faz comentários até sobre a linguagem da cidade: “Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra. (...)” E segue comentando as diferenças encontradas na cidade.

Outro clássico em que podemos encontrar o fenômeno é aquele Usbek, um persa, em visita a Paris. Aquilo que os franceses viam como natural, o persa comentava como estranho. E foi assim que Montesquieu falou dos costumes naturalizados pelos franceses, como se fossem universais, pela escrita de Usbek (personagem de ficção) em seu Lettres Persanes.

Não sei aonde minhas cartas vão chegar, quem vai aplaudi-las, quem vai apupá-las, quem vai ver-se retratado em algum canto do texto. Alguns vão sentir-se eufóricos, outros disfóricos, porque assim é a sina do cronista: ele fala a alguém sem ver-lhe o rosto.

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