sábado, 16 de junho de 2018

ORELHA

Esta coluna reúne textos de Menalton Braff sobre livros de outros autores, a maioria deles publicados como orelhas.

Pelo buraco da fechadura

Em A Cidade Devolvida, como já se anunciava em Coreografia dos Danados, seu primeiro livro de contos, a prosa de Whisner Fraga se caracteriza pela disjunção. Seus contos, quase todos short stories no melhor sentido da palavra, são habitados por seres que se contorcem de dor ou prazer no caminho difícil do existir. Mas que não se espere encontrá-los aqui de corpo inteiro ou posando para uma fotografia. Eles sempre aparecem através de movimentos bruscos e mostrando-se aos pedaços, com os quais o leitor deverá compor os significados. São fragmentos de cenas vistas pelo buraco da fechadura.

Whisner Fraga descende de uma linhagem de autores para os quais a lógica da realidade empírica, com suas verdades absolutas, já não pode dizer mais nada. Quais os limites entre sonho e realidade? As situações vividas pelas personagens vai-se revelando por uma leitura que quase se poderia chamar de vertical. Os fragmentos do real são expressos também por fragmentos de linguagem. O todo não está na linearidade. A linguagem automática, que predomina na grande maioria dos contos, é essa ruptura com a realidade empírica, esta realidade simplesmente dada, mas é o rompimento, em muitos
casos, com a gramática normativa.



Esta talvez seja, e só o futuro poderá confirmar, a tendência mais frutífera da literatura contemporânea. Quando se diz que a partir da década de 40 a linguagem literária vai assumindo o papel principal na literatura, e mais ainda, que cada vez mais o fato narrado, que os semioticistas chamam de diegese, vai empalidecendo, perdendo importância, pode-se pensar em visão apocalíptica da literatura, mas o que o futuro nos reserva, provavelmente, seja um novo tipo de prazer da leitura. Sucintamente: outras mídias satisfazem nossa necessidade de narrativa e a literatura busca sua especificidade, que é o
discurso.

Eis o que se encontra em cada uma das páginas de A Cidade Devolvida: o prazer da linguagem, que aproxima o texto da poesia. No conto O trilho, desde o início, e o conto compõe-se de um parágrafo apenas, encontra-se logo abaixo do título: que me veja passo contumaz sabemos que tenha sido, outras auroras dizíamos lareira estalando ossos fatigados de melancolias, aí acreditará embora assustado tenha conduzido fatalidades e você arcando com fantasmas, um preço toda disposta e sombra, seguia em torno de mim, eu exigindo mundos reduzi a medo quase infanticida obsessões de perdas quis fosse minuciosamente minha vida e trata-se de tácito o pacto:

São dezenove contos narrados em primeira pessoa, em que predomina a invenção − na
sintaxe, na pontuação, na visão muitas vezes insólita da realidade. Ou, como diria Breton,
de uma super-realidade.

Autor: Whisner Fraga
Título: A cidade devolvida
Editora: 7Letras
Páginas: 108

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