sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

CONTOS CORRENTES

O Conto do Antirrelógio

(Carlos André)


- É mais fácil mover os santos, do que solidificar as culpas.
Certa vez, no vilarejo das Imaginações Infindas, numa tarde de 10 de fevereiro de 1918, acontecera algo fantástico que até hoje as pessoas se perguntam: como foi e onde foi parar aquele objeto?!

- O que era esse objeto vovô?!!

- Acalme-se, minha querida neta! Logo, logo, saberás do que se trata; do que essas pessoas queriam e desejavam de fato com aquele objeto fantástico nas mãos.

- Sim, vovô! Vou acalmar minha curiosidade. Continue.

- Tudo bem, minha neta! Continuarei. Naquela época, havia na casa do Sr. Euclides, várias coleções de relógios: sejam os relógios de parede, pulso, ou de serem guardados na algibeira do paletó ou da calça.

- Desculpe te interromper de novo vovô, mas isso quer dizer que o senhor Euclides era um relojeiro?

- Sim, querida! O Sr. Euclides era um relojeiro de épocas passadas, agora ele era um relojeiro aposentado, um senhor de sessenta e seis anos. Na casa do Sr. Euclides havia vários modelos de relógios, mas havia um que ele tinha um apreço enorme, um valor sentimental, e por isso, este relógio
diferente de tantos outros, lhe produzia grandes ciúmes só de alguma pessoa querer saber, o que ele escondia naquele pequeno baú azul no canto de sua escrivaninha.

- E o que era que ele escondia no baú azul, vovô?!

- Por enquanto, não poderei dizer minha querida neta. Deixarei sua imaginação fluir para os outros pormenores desta história. Tenho que lhe dizer que somente os puros e de bom coração, tinham o poder de desvendar os segredos que rondavam naquele relógio, pois somente eles tinham a sensibilidade de sentirem o tempo de uma forma mais rápida e direta, do que os outros que viviam o tempo às pressas, sem se preocuparem em respirarem, saberem aonde vão e o que estão fazendo. Uma vez aquele objeto na mão de uma pessoa de coração puro e sensível, faria com que esta pessoa tivesse a oportunidade de rever todos os segundos, minutos e horas que se passaram de sua vida.

- Que legal, vovô! Queria ter conhecido o Sr. Euclides, para perguntar a ele sobre este relógio misterioso, e se ele me mostraria.

- Pois bem, minha neta! A vida do Sr. Euclides não foi nada fácil no período da juventude, no que diz respeito a sua vida amorosa. Euclides era apaixonado por Katarine, mas ele nunca chegou a declarar isso para ela pessoalmente.

- Por que Euclides nunca escreveu uma carta para Katarine, vovô?! Talvez por palavras escritas, ficasse mais fácil ao invés de palavras ditas.

- Que frase forte minha neta, Elísia! Ele iria escrever, porém... você irá saber daqui a pouco o que lhe impediu. Katarine era uma moça que gostava de colecionar gibis, e os únicos gostos que ambos tinham em comum: era o gosto de ir ao Teatro e ao Cinema, que naquela época era cinema-mudo. Acontece que Katarine não dava tanta atenção para Euclides, pois Katarine na época namorava o imprudente Thiago Dias, que adorava pegar rachas de carro no seu Chandler.

- E o que o Thiago Dias e a Katarine tinham em comum?

- Em minha opinião, nada minha neta! Thiago Dias não conseguia ver a essência de Katarine. Ele nunca a levou no Teatro ou Cinema, somente a preenchia com promessas e nada mais. Todavia, Katarine gostava de está com ele: talvez mais por proteção, do que sentimento. Existia outro também: o tal patife e medíocre Isacc Nobre, que enquanto Thiago Dias não estava por perto, queria conquistar a todo custo o amor da Katarine comprando joias caríssimas. No entanto, Katarine não era nenhuma dessas que deixava se fantasiar facilmente por joias, dinheiros, e...

- Vovô, por que você sente tanto remorso nessa parte da história? É como se o senhor os tivesse conhecido!

- Está na hora de lhe confessar que eu fui muito amigo de Euclides quando jovem, e fomos da mesma turma no Liceu. Além disso, nunca gostei da personalidade do Thiago Dias e do Isacc Nobre.

- Desse detalhe seria difícil eu desvendar. Continue, quero ouvir mais, vovô!

- Então, certo dia, Euclides retornou do Liceu e se trancou no quarto. O mundo tremia ao seu redor, não havia chão... as paredes do seu quarto estavam tão frias e silenciosas: despedaçadas por
dentro. No virar da curva em alta velocidade, o carro encapota, porém, não ultrapassa o limite da ribanceira. Katarine morre no acidente cometido pela embriaguez de Thiago Dias no volante, e
que, além disso, estava pegando racha com Isacc Nobre. Este também morre no acidente, tendo seu carro a despencar da ribanceira. Quis o destino que Thiago Dias sobrevivesse ficando paraplégico e com a culpa no coração. Elísia, se o tempo pudesse voltar e Euclides dissesse a Katarine os seus sentimentos por ela, talvez Katarine estivesse noutro caminho agora. Lá fora, Artemísia, a mãe de Euclides, toda apreensiva com o estado do filho gritava:

“Euclides, abra essa porta agora, estou mandando!”, e Euclides a responde com o coração apertado na garganta: “Mãe, eu vou ficar bem, só quero pensar na minha vida a sós!”. Naquele dia, Euclides
pela última vez tinha visto Katarine na saída do Liceu beijando o Thiago Dias. Naquele momento, era como se mil facas afiadas, ultrapassassem o coração sensível de Euclides; era como se o orvalho escorresse nas pétalas vermelhas de uma rosa, e uma lágrima ainda sem gosto descesse do rosto pálido e puro de Euclides.

- Que triste vovô!

- Não chore minha linda Elísia!

- Me conte logo vovô, não estou mais segurando minha emoção. Que história trágica!

- No momento que o jovem Euclides chorava em seu quarto, o seu pai Cândido bate na porta e pronuncia: “Filho, me deixe entrar!”.

Euclides ao perceber a voz harmoniosa e cansada do pai, decidi abrir a porta, e de imediato avista uma caixinha preta quadricular nas mãos calejadas do Sr. Cândido. Este entra e se acomoda na
cama de Euclides, e leva a caixinha preta quadricular às mãos de Euclides: “O que é isto papai?” Pergunta Euclides afastando as lágrimas do rosto. “Abre, que tu verás do que se trata!” Responde o
Sr. Candido. Euclides ao abrir a caixa se depara com o...

- Não acredito vovô! Você me escondeu este tempo todo este segredo!

- Sim, minha neta! Abra a palma de sua mão, e veja...sinta: está aí o antirrelógio. Sim, exatamente: um antirrelógio, onde os ponteiros trabalham retornando as horas que já tenham passado. Com o antirrelógio, temos o controle do tempo mentalmente.

Podemos voltar ao tempo, consertar os erros cometidos, fazer aquilo que não tivemos coragem de fazer ou de ter tentado; dizer para aquelas pessoas que partiram tão cedo de nossas vidas, que nós os amamos muito. Se bem que na verdade, devemos dizer isso no momento que vemos a pessoa em nossa frente, então, abraçá-la, conversar, tomar um bom vinho, um chá ou café juntos, antes que seja tarde demais, e possamos nos arrepender de não ter dito e feito isso antes. Espero de ti, minha neta, que você faça bom proveito deste presente, como eu fiz quando meu pai me entregara naquela tarde tempestuosa de minha vida.

- Farei vovô! Farei. Muito grata pelo presente. Eu te amo tanto, vovô!

Elísia, nesse instante, não perde mais tempo, e abraça o seu querido avô, aconchegando-o em fervor o coração puro e sereno!!


Nenhum comentário:

Postar um comentário

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças