sábado, 16 de fevereiro de 2019

ORELHA

Esta coluna reúne textos de Menalton Braff sobre livros de outros escritores, mitos deles publicados como orelhas.

UMA HORA ACABA

Sobre a competência narrativa da Vanessa Maranha muito já se falou, mas preciso continuar falando. Sobre sua competência linguística, por mais que se fale, fica-se em débito para com a autora.

O romance Contagem regressiva foi finalista do Prêmio SESC de Literatura e editado pelo Selo Off Flip, em 2014.

É de seu portal que transcrevemos este parágrafo de caráter epigramático; 

Uma hora acaba. A insônia, as tormentas, o aluvião, o tédio, a dor, o coração chagado. Uma hora isso de cismar entre pessoas sem ter o que dizer, nem querer dizer, nem saber o que e para que, isso de não gritar na hora certa, de me encolher e me distender em acrobacias para ser aceitável... Isso acaba. Vai um dia com o vento ou pelo ralo, na oblíqua intenção, no quadrado dessa minha queixa. Ou se volatiza no fogo-fátuo das coisas mortas. 

Só uma consciência muito aguda da condição humana tem o direito de dizer o que o narrador deste romance diz já na abertura de sua história. Sim, porque a despeito do estilo reflexivo e nervoso, em que mais importa a interioridade da personagem do que suas ações, apesar disso, existe uma história.

E a história que o narrador nos oferece é realmente uma contagem regressiva. A narrativa começa quando a vida já está perto do fim. Eis a primeira parte de uma estrutura em que fica invertida a história da vida. Um homem idoso procede à sua internação em uma clínica psiquiátrica. O sentimento de que a vida é nada torna-se mais agudo após a morte da esposa. Abdica, então, do convívio social aqui de fora para conviver entre enfermeiras e aqueles cuja razão, em todos os sentidos, não existe mais.

E é nesse espaço físico que se passa toda a primeira parte com seus sete capítulos. Na segunda parte fica registrada a idade adulta, resumida na epígrafe do capítulo 8.

A vida passou que eu não vi
um sopro.
Rápido.

Para terminar na terceira e mais extensa parte, cujo título é Infância.
A autora articula as três fases da vida de seu protagonista com habilidade tal que o leitor entra nessa inversão como se fosse assim mesmo a vida. Como se a narrativa tivesse tal poder sobre os seres viventes.

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