segunda-feira, 25 de março de 2019

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff.

Ouviram o galo cantar


Ontem à tarde eu estava passando pela praça da matriz e quem, para meu espanto, vejo lá? Pois é, depois de tanto tempo, sumiço de tantos anos, eis que dou de cara com o Adamastor. Ele sim, o mesmo que já perambulou por estas páginas e com as mesmas manias de antanho.

Mal me viu, veio com a novidade: está organizando as festas juninas da escola onde estuda seu filho. Presidente da Comissão Organizadora. Repetiu o título cheio de alegria e orgulho. Ele é assim: prestativo, participativo. Um pouco... como diria sem feri-lo? Um pouco... Melhor não dizer. Mas não pode ouvir falar em festa que não fique aceso. O que os médicos chamam de estado de euforia.

As festas juninas, dizia-me ele, são necessárias, fazem bem ao povo, mantêm a tradição. Muito bem ao povo, ele repetiu e então me perguntou se eu sei o que é panis et circensis. Dei de ombros para não encompridar conversa e ele insistindo. Poderia explicar-me. Às vezes o Adamastor torna-se
aborrecido.

Eu já me preparava para deixá-lo entregue a seu latinório e suas teorias político-neurônicas (o que não existe a gente inventa), quando, quase mudando de assunto, ele começou a falar dos ensaios da quadrilha e das dificuldades que vinha encontrando para adaptar o ritmo dessa dança
tradicional ao axé.

Ah, mas assim não dá mesmo! Nada contra axé nem contra a quadrilha, mas me repugna um pouco a idéia de um prato de feijão com cobertura de sorvete de morango. Ele insistiu, aliás, o que mais tem
feito na vida o Adamastor é insistir, pois bem, ele insistiu, dizendo que a escolha foi dos membros da Comissão Organizadora dos festejos. E você, Adamastor, não disse nada ?! – disse este escriba indignado. Sim, sim, eu disse que estava supimpa.

Eu falei de tradição, suas leis, seus caminhos e ele soltou uma risada gigantesca.

Nossas tradições, em matéria de cultura popular, estão virando fumaça em dia de vendaval. Mas como sabemos copiar! Tem escola por aí que todo ano entra nos festejos do Halloween e não sabe o que é Saci Pererê. Uma escola bem conhecida, uma escola da rede privada, toca rock o dia todo nas festas juninas.

Cada vez me convenço mais: cultura não depende só de vontade. Nem de ouvido. Ouvir o galo eles ouviram, mas não sabem onde.

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