segunda-feira, 9 de setembro de 2019

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff.


A voz das estatísticas


Segundo as estatísticas, pertenço a pequeno grupo de pessoas, um grupo formado por 1% dos brasileiros possuidores de biblioteca de mais de 500 volumes. Deveria estar soltando foguetes ao me descobrir incrustado nesta nata, mas não estou. Levando em conta meu espírito público, talvez devesse então estar acabrunhado ao descobrir que se lê tão pouco no Brasil, mas também não estou. Um amigo meu, que já não está neste ou em qualquer outro mundo, para formar-se economista teve de estudar muitas ciências, entre as quais a ciência da estatística. Enquadrou populações, quadriculou produtos, transformou isso tudo em mercado e pôs-se a campo com a intenção de salvar o Brasil. E vocês sabem o que aconteceu? Nem ele salvou o Brasil nem por ele foi salvo. Continuamos todos a
navegar em mar bravio enquanto ele abandonou o barco heroicamente. Mas antes de se despedir, meu amigo, que era teimoso, mas bronco não, deixou-me como herança uma verdade elementar: A estatística serve para provar que, se eu puser a cabeça dentro de um forno a cem graus centígrados e os pés dentro de um frízer a zero grau, minha temperatura média será de cinqüenta graus.

Um vizinho aqui ao lado me diz que a verdade não é elementar, mas estúpida. Este meu vizinho não tem mesmo senso de humor. Claro que não estou questionando a sério se a estatística é ou não uma
ciência útil. O que se deve entender, entretanto, é que não há razão para que se meçam os cinqüenta graus de minha temperatura média uma vez que terei morrido. Os dados, por si sós, pouca coisa revelam.

Então vamos fazer uma pequena incursão pelas conclusões da pesquisa da qual saí ao lado de 1% dos brasileiros. Dizem os pesquisadores que o brasileiro não sente prazer na leitura e arrolam quatro razões para que ele não se dirija às prateleiras. Trinta e nove por cento dos entrevistados disseram que não têm tempo para ler. E acredito. Se se puserem a ler, que tempo terão para o chopinho, para o campeonato brasileiro, para o papo-furado na esquina depois do serviço? Outros tantos por cento (não se especifica) afirmaram que não têm o hábito. Me parece uma conclusão um tanto redundante, se a pesquisa era sobre a leitura no Brasil. Há os que não se interessam (18%) ou que não têm paciência mas sobra-lhes preguiça. Assim mesmo, confessadamente. E, por fim, aqueles que preferem outro
entretenimento (17%).

A questão que me parece óbvia e que não invalida a pesquisa, é que sofremos de uma inércia oficial ao mesmo tempo causa e conseqüência de um gravíssimo problema social.

Bah, jogar a leitura no cesto do entretenimento já me parece uma coisa meio monstruosa, mas enfim...

De um país escravocrata até pouco mais de cem anos, e que tratou como tratou os antigos escravos, deixando-os ao Deus dará; de um país em que o único prato de comida do dia não é assim tão garantido, de um país como este o que mais se poderia esperar? Espantam-se os técnicos pesquisadores com o fato de se ler pouco? O interessante é que ninguém se espanta com o fato de se comer tão pouco. Leitura e comida não entram lá com muito peso nas cogitações de nossas “otoridades”. Estamos em 69% lugar no IDH levantado pela ONU.

E agora, que a cultura precisa de filtros (de quem?), que a Educação tornou-se artigo supérfluo por causa da “paralização” e “suspenção”, que mais se pode esperar? Exaltar o assassinato de pais para atingir filhos já se tornou rotina. Voltamos à selva?

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