sexta-feira, 13 de setembro de 2019

UM CONTO PARA SEU FIM DE SEMANA

Esta coluna reúne contos de Menalton Braff. O que escolhemos para hoje está publicado no livro Amor passageiro, lançado pela Editora Reformatório e já foi reproduzido pela revista Vício Velho.

Um caso de paixão


As perguntas assim como o doutor faz são irrelevantes, porque seguem um padrão. Com minhas respostas, o senhor não vai ficar sabendo muito de mim e de minhas razões para o crime que cometi. Melhor ligar um gravador para eu prestar meu depoimento, livre, corrido, de acordo com meu pensamento. Ah, já está ligado? Sei muito bem o que significa amor incestuoso, como sei também que a sociedade o recrimina, a lei o criminaliza e as religiões, todas elas, repudiam-no por ser pecado, apesar de que os filhos de Adão e Eva tiveram de fornicar para o crescimento da humanidade, não é mesmo, doutor? Pois de tudo isso eu sei, mas quem manda em mim é meu corpo, e o que me vem de fora não me abate: minha regência sou eu mesma. Algum problema com o gravador, doutor? Ah, não! Mas o senhor mexeu nele. Só o volume, então?! Bem, se o doutor não se importa, eu gostaria que fechasse aquela cortina ali atrás, porque o sol bate no vidro do armário e o reflexo me atrapalha a visão. Sim, muito obrigada. Então, tive o Ernesto com quinze anos de idade, e meu noivo, na época, devia andar futricando a vida de alguma outra adolescente neste largo mundo que ninguém podia imaginar onde fosse. Não, foi logo que eu falei da minha gravidez. Já no dia seguinte não apareceu. Aliás, nunca mais apareceu. Na saída ele disse: − Vou ali até a esquina comprar cigarro. Eu nem fiquei esperando, pois imaginei que a minha revelação tivesse assustado o infeliz. Logo que me senti capaz, arranjei emprego e fui trabalhar. Eu digitava como gente grande e isso me ajudou a vida toda. De manhã, deixava o Ernesto na creche e à tarde, depois do expediente, ia buscar ele. Assim foi durante alguns anos. Quando chegou a época da escola, uma vizinha ficava com ele à tarde porque tinha um filho da mesma idade e quem cuida de um, cuida de dois, o senhor não concorda? Pois então. Ele crescia bem e ficava cada vez mais bonito. Eu também, com trinta e três anos de idade, todo mundo dizia que parecia ter uns vinte. Malhava na academia três vezes por semana, tinha muita
saúde, cuidava muito deste rosto que Deus me deu, que segundo algumas pessoas é um rosto de dar inveja a muita miss que anda por aí. Antes do banho, parava nua na frente do espelho. Ah, doutor, havia um demônio dentro de mim. Minhas mãos me percorriam o corpo, e meus gemidos eram de puro gozo. Todos aqueles anos sem botar homem nenhum na minha cama, odiando a raça deles todos com a imensa mágoa de grávida abandonada. O Ernesto, então com dezoito anos, era um homem feito, com o rosto mais bonito que eu já tinha visto e o corpo bem feito, musculoso, mas tudo muito bem proporcionado. No serviço, ele arranjou uma namorada. Moça linda, doutor, muito linda. E os dois pareciam apaixonados. Pelo menos o Ernesto me dava essa impressão. Uma noite meu filho me chegou lá em casa desesperado, chorando, parecendo que estava pra se desmanchar. Ela está com outro, minha mãe, me abandonou. Ah, doutor, o senhor acha que tais detalhes não interessam? Foi isso que o senhor quis dizer? Ah, não! Pois então, ali mesmo na cozinha, onde a gente estava, botei meu filho no colo, afaguei seus cabelos, pedi que ele parasse de chorar, que o mundo é grande e mulher sobrava por aí, disse essas bobagens com que desejava acalmar e consolar meu menino. Eu abraçava o Ernesto com fúria, querendo puxar pra mim o sofrimento dele. Quis lamber as lágrimas que rolavam no rosto dele e, ao sentir minha boca perto da sua, ele não resistiu e colou seus lábios nos meus, com fúria, e não me largou mais, até que eu senti um vulcão em erupção dentro de mim, um vulcão que desceu da boca e foi parar lá onde o diabo colocou a maçã. Dali saímos já sem roupa, abraçados, e no meu quarto caímos na cama. Eu urrava, doutor, sem me reconhecer, porque aquele homem que tinha saído de dentro de mim me devolvia o gozo de todos os anos em que passei gozando com as próprias mãos. Horas e horas em que cochilávamos para superar o cansaço, e, entre um cochilo e outro, voltávamos ao sexo com uma sede que parecia nunca mais saciar-se. No dia seguinte, nenhum dos dois compareceu ao trabalho, e ao cabo de três dias, com pequenas interrupções para um copo de leite, um pedaço de pão, e algumas vezes para alguma outra necessidade fisiológica, resolvemos descansar. Então foi fácil, no emprego, alegar uma gripe muito violenta, porque nosso aspecto não nos desmentia. No quarto dia, tivemos uma conversa, ali mesmo na cadeira, ao lado da mesa da cozinha, onde tudo havia começado. E juramos, os dois, que até o fim de nossas vidas não teríamos mais ninguém. E isso significava que seríamos fieis para sempre. Juramos e fomos para a cama, mesmo antes de jantar. Hoje estou com cinquenta e três anos, ele faria trinta e oito no mês que vem. Algum tempo atrás comecei a desconfiar do Ernesto porque ele começou a me procurar cada vez menos. Até que um dia me apareceu lá em casa umazinha dos seus vinte anos, bonita, por sinal, avisando meu filho de que estava grávida de quatro meses e exigindo que ele assumisse a paternidade. Falou até em casamento. O resto da história o senhor já sabe, doutor.

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