domingo, 20 de abril de 2014

QESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (94)

                  Stéphane Mallarmé
Pág. 194 - "A negação da natureza comunicativa da arte - ou, pelo menos, a sua negação como caráter substantivo da arte e, em particular, da poesia - tem sido proclamada também, nestas últimas décadas, por muitos autores fascinados pela ideia mallarmeana da poesia como ausência, silêncio e destruição ('La destruction fut ma Béatrice', escreve Mallarmé numa carta) e pela interpretação heideggeriana da linguagem como templo ou mansão do Ser, da linguagem que fala o Ser e que não se exaure num mero instrumento de significação e de comunicação, da poesia como manifestação (aletheia) originária do Ser, como revelação, na palavra, do resplendor e da verdade do Ser. Mais profundamente, nalguns autores a (p.195) negação da arte como fenómeno comunicativo implica o dramático reconhecimento da impossibilidade de a linguagem funcionar como sistema significativo ou a angustiosa certeza de que a linguagem se consome e se consuma na vertigem do silêncio e da ausência pura.

De Beckett a Artaud, de Bataille a Blanchot, multiplicam-se os textos em que obsidiantemente se confrontam a necessidade da utilização da linguagem e a radical impossibilidade dessa utilização, em que se pratica e exalta o desfiguramento e a destruição do texto - algumas vezes com um fascínio horrorizado que participa da violência e do êxtase profanatórios -, em que se afirma a solidão essencial do acto de escrever, a identidade inconsútil do espaço da morte e do espaço literário, a abolição e o vazio do significado como ideal da linguagem e da literatura: 'Le langage ne commence qu'avec le vide; nulle plénitude, nulle certitude ne parle'.

Paradoxalmente, esta dramática reflexão sobre a incomunicabilidade e a solidão radical da obra de arte, sobre a exaustão significativa da linguagem, sobre o silêncio mortal e o vazio de que é urdida a textura do poema - reflexão nascida de uma desesperada tensão entre um orfismo condenado ao fracasso e um hermetismo cruelmente niilista -, realiza-se, configura-se semicamente e é comunicada através de obras de arte, nas palavras, nas metáforas, nas frases e no ritmo da linguagem verbal e, de modo particular, da linguagem literária. Mesmo quando se postula que a interioridade de cada homem é incomunicável a outro homem ou que o real das coisas é incognoscível ao homem, a obra de arte comunica aquela incomunicabilidade (p.196) e diz esta incapacidade cognitiva. Se a obra de arte se caracterizasse, em estrito rigor, pelo hermetismo monadológico de que fala Adorno, ela constituiria necessariamente um enigmático facto bruto, um vazio aberrante ou, se se quiser, uma plenitude absurda.

Admitindo, por conseguinte, que todo o fenómeno artístico constitui um peculiar fenómeno comunicativo, julgamos teoricamente indispensável o reconhecimento de que as várias artes possuem um estatuto comunicacional diferenciado. Esta diferenciação funda-se na natureza diversa dos signos constituintes do sistema semiótico de cada arte, na heterogeneidade dos códigos, dos canais, dos mecanismos de recepção e dos factores pragmáticos  actuantes em cada arte. A literatura, dada a sua essencial solidariedade semiótica com o sistema da comunicação por excelência de que o homem dispõe - a linguagem verbal -, ocupa necessariamente uma posição privilegiada entre todas as artes."

(CONTINUA)

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