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sexta-feira, 6 de março de 2020

CONTOS CORRENTES


I N S U L A R I D A D E

(Ronaldo Cagiano*)

Somos todos estrangeiros
nesta cidade
neste corpo que acorda.
(Heitor Ferraz)

Passageiro num fim de dia extenuante, o Grande Circular deixava a W-3 Sul e contornava a pista de retorno em frente ao Corpo de Bombeiros para penetrar no amplo sistema viário que leva ao Setor de Embaixadas, ao Aeroporto, à Via L-2, ao Núcleo Bandeirante e à Saída Sul, quando minha atenção migrou das páginas que eu lia, para flagrar o sujeito ao meu lado a tentar o diálogo, mas meus olhos detidos numa leitura intensa e sedutora de A morte Feliz, de Camus, ainda não haviam permitido desviar o olhar para aquela criatura que me fitava, com a intermitência de miradas esquivas, desde que tomei o coletivo no ponto perto do Brasília Rádio Center. Concentrado estava, concentrado fiquei, em Patrice Mersault, em Roland Zagreus, num ponto qualquer da Argélia, onde o livro me transportava numa velocidade superior à do coletivo, aos mundos absurdos da existência humana. Nesses longos minutos de assédio ocular, diante da minha imobilidade alheia aos sentimentos e atitudes próximos, a impaciência da alma ao meu lado ia agredindo minha leitura, uma leitura sobre questões intrigantes da natureza humana. Mas o que poderia ser mais intrigante que a sua insistência em ser notado, ouvido, além do mar de nadas e obviedades que nos cercavam?

Examinei, de soslaio, aquele homem bem trajado – quem era? de onde veio? por que andava de ônibus? para onde ia? teria me reconhecido? não, eu não o conhecia, nunca conheci ninguém, não me importo – tentava estabelecer um contato, ainda que mínimo, para quebrar a onda de silêncio e solidão que procelavam dentro dele, em meio àquela profusão de corpos num coletivo, para fugir à transitoriedade dos relacionamentos de um ônibus de rua. Nem isso, nem essa certeza de que a sua presença reclamava a minha ou de qualquer outro, foi capaz de furtar- me em minha faina de leitura obcecada, Camus me dizendo coisas, Era uma nostalgia de cidades cheias de sol e de mulheres, com tardes verdes que cicatrizam as feridas. As lágrimas irromperam. Crescia nele um grande lago de solidão e silêncio, sobre o qual o canto triste de sua libertação... e eu, quando muito, retirava os olhos da página e olhava lá fora, e via lá fora a rua, a rua não é comigo, lugar de seres taciturnos, embotados, sem graça, e eu? indiferente aos apelos incógnitos do passageiro desconhecido, negligente com o resto do mundo, para o que se passava em meu derredor, numa imutável e automática atitude que se repetia cada vez que eu viajava naquela linha em direção à minha casa, depois do cansaço habitual da vidinha besta de bancário. E como sempre alguém ao meu lado, um homem, uma mulher, uma criança, um velho. Alguéns. Nem o vozerio, nem o barulho da catraca, nem os sinais de parada, as freadas bruscas, o mau humor do motorista, a cara feia do cobrador, os painéis lá fora, as casas, as pessoas paradas nos pontos, na avenida anônima: artéria endoidecida, com seu fluxo enfurecido e divergente de feras metálicas, nada me retirava de meu mundo de mergulhos profundos nas páginas de um livro. Nesse dia era A morte Feliz, mas podia ser que eu estivesse noutras viagens: Lorca, Pessoa, Bandeira, Dostoievski, Borges, Camões, Cortázar, Rosa; ou entre o
niilismo nietzschiano e os sermões do Padre Vieira – e eu reagiria da mesma forma, nem um olhar, nem um sinal de interesse, fosse o grito ou fosse o silêncio, fosse o ônibus vazio ou o acidente na pista.

Nesse dia a presença daquele senhor me incomodava e isso se tornou perceptível aos seus olhos, o que não evitou uma abordagem em tom cavalheiresco, que de início não me entusiasmou. O homem de terno, gravata e celular pendurado no cinto, que vez por outra tocava e ele, laconicamente, atendia e, num monólogo ininteligível, dispensava quem chamava do outro lado da linha, tinha visível necessidade de ser ouvido, esse homem pedia socorro sem gritar. Ninguém o sentia, muito menos eu. O telefone tocava – isso se repetiu umas quatro vezes no trajeto – e sua recusa em atender aos chamados estava mais ligada à necessidade de falar com alguém que estivesse perto e suscetível de compartilhamentos.

Tirei os olhos rapidamente do livro. Fechei-o e ele leu, com interesse incomum, pronunciando em voz alta, num gesto de louvação pela leitura especial e querendo entabular um diálogo que parecia não ter, pelo menos para mim, chance de continuidade.

 Eu não queria conversar com ninguém. Desde a manhã, quando a cena da copeira pulando do vigésimo oitavo andar das torres gêmeas do edifício do Congresso inquinou o meu dia com sua carga de espanto e horror, eu não conseguia ver nem ouvir ninguém. Nunca vira a morte tão de perto. Nunca a pequenez humana me fora revelada com tamanha indigência psicológica e espiritual. Eu estava entre os próprios escombros da humanidade inteira. A morte ali, com todos os seus tentáculos. O seu rosto cruel e inamovível. Essa mesma que eu tentava compreender num livro, distante do indesejável fim que a todos sucede: muitos, iguais em sua derradeira hora, seguindo a ordem natural das coisas; outros, realizando a ruptura brutal e sistemática, porque não resta outra coisa a não ser pôr fim à existência. A morte, impassível, incontornável, a morte mesmo, física, imoral, intransponível, esta nunca tinha soado com tamanha inclemência quanto a que vi ainda cedo, quando me preparava para mais um dia de trabalho, diante de um corpo recolhido do espelho d’água da Praça dos Três Poderes e estirado ao chão, coberto por um lençol parco na burocrática espera da perícia policial. Meus olhos não tiveram tempo de dizer um oh! de comiseração, de estarrecimento diante da brutalidade insinuada contra si mesma e levada às últimas consequências. E, no fim do dia, o sujeito ao meu lado, querendo arrancar-me, a qualquer custo, do meu arrebatamento, da minha estupefação, da minha leitura, porque aos seus olhos a minha completa insubordinação ao que me circundava, imagino que isso estava no seu íntimo, a minha indiferença era assassina, como era a de tantos quantos levaram à morte aquela mulher de quarenta anos, separada, mãe de três filhos, que morava numa biboca qualquer e trabalhava feito burro de carga para sustentar os quantos ela pôs no mundo.

Eu soube que dona Jandira pulara, numa atitude escapista, quando sua vida já não tinha mais jeito. Não tinha para ela, que não via luz no fim do túnel, quando seus caminhos haviam sido despedaçados pelo marido alcoólatra e omisso; sua vida havia sido rejeitada pelos próprios sonhos inconclusos – malsucedida no emprego e no amor, atolada em dívidas com agiotas que oferecem o dinheiro fácil às classes menos aquinhoadas do funcionalismo, sobretudo aos incautos empregados de prestadoras de serviço que atendem nos Ministérios e outros órgãos públicos, morando longe, numa dessas invasões subumanas que sitiam o Distrito Federal – um vergonhoso cinturão de miséria – toda a sua vida girava em torno de uma rotina desgastante, cansativa e sem retorno financeiro, sem a mínima contraprestação do bem-estar material e do prazer íntimo. A derrota, sim, em carne e osso. Estava ali, finda, não esperou a morte chegar, foi ao seu encontro pela via da coragem insensata. E dentro do ônibus, com aquele homem tentando chamar minha atenção, eu tinha meu coração, meus olhos, meus pensamentos voltados pr’aquela criatura que já é morta há quase doze horas e não entrará para a história por nenhum ato de heroísmo, ninguém se lembrará de Jandira, senão alguns da família traídos em sua autoestima pelo ato da mãe que não buscou sair do labirinto. Sim, quem sabe, eu me lembrarei também dela quando ler Camus, ele que tanto quis entender e fazer entender a angústia humana, dos gritos submersos que não conseguimos exteriorizar, da oscilação de nossas revoltas, do
percurso angustiado de tantos corações revoltados, do homem sempre em núpcias de fogo com
sua identidade estiolada pelos venenos da realidade. Vou me lembrar de Jandira, quando outro sujeito sentar-se ao meu lado emcompridando conversa, no ônibus, no banco vazio da minha superquadra, na espera da sessão de cinema, na fila do orelhão – onde sempre haverá gente numa intensa procura, de olhares, de conversa recíproca, de diálogo para enfrentar a tragédia que culmina todos os dias à nossa porta, porque nada escapa ao fluxo das esperanças humanas e não podemos ser nuvens fugidias que carregam para aqui e para acolá sua opacidade, seu isolamento, sua fúria, sua liturgia de privações.

O suicídio de Jandira estará amanhã nas páginas do Correio Braziliense, no necrológio que ultimamente tem se saciado com o sem-sentido e a banalidade da vida e da morte, com todos os seus requintes de perversidade, que a crônica policial da sociedade moderna registra sem constrangimentos ou pudor. Camus a me dizer, como a espada da verdade desferindo seu golpe, que o único problema realmente sério é o suicídio, e Jandira que já foi velada no Campo da Esperança e jaz em cova rasa, me revelando os escombros insuspeitos da nossa condição.

Muito prazer!, disse-me o cavalheiro decepcionado com meu jeito de poucos amigos e meus olhos escondidos no livro, pedindo-me licença para sair, para saltar na próxima parada, sim, foi o que disse aquele que atendia pelo nome de Antonin Artaud. Eu não podia supor: havia perdido a oportunidade de romper com nossa solidão urbana, essa solidão tantas vezes maquinada ou dissimulada pelos convívios impossíveis, que nos torna estranhos e mutilados, pela condição errante de nossos corpos que não sabem decodificar a aflição e o desespero, tragados que somos pela inevitabilidade da roldana diária, com seus dentes vorazes a nos convocar para a imensidão oceânica das necessidades modernas. Só tive tempo também de dizer o socialmente óbvio e seco prazer em conhecê-lo, meu nome é Bertolt, e vê-lo atravessar a via ainda movimentada naquele início de noite, noite encrespada, sendo engolido por aquela jiboia de faróis, ele, ele nem soube se eu era de Alagoas ou de Minas Gerais, nem dele soube nada mais que um nome e uma angústia latente em seu íntimo, e era fim de expediente, e vislumbro aquele solitário homem de terno e gravata que atendia pela graça de Antonin Artaud ser devorado pelo ventre da noite, desaparecendo no breu da quadra mal iluminada, em busca de sua essência perdida no tumulto doméstico, a ilha invisível de todos nós, escuro território onde
acabamos por nos desferir o golpe de misericórdia e montamos, sem apelos, o mosaico de nossas próprias vidas.

(*) Mineiro de Cataguases, é autor, dentre outros, de “Eles não moram mais aqui” (Contos, Ed. Patuá), Prêmio Jabuti 2016, vive em Portugal.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

CONTOS CORRENTES


Esta coluna reúne contos de outros autores.

DIES IRAE                                                                                                                   

(Ronaldo Cagiano*)

Que coisa é esta que
assoma o animal em nós?
(Ésio Macedo Ribeiro

...naquele dia eu estava tomado por um sentimento que verdadeiramente era o acúmulo desses anos todos pilotando os teares. Você não sabe o que é aguentar todo dia o contramestre na sua cabeça ferroando, ferroando, feito uma britadeira na sua cabeça,  a produção tá caindo, as encomendas tão chegando, e vocês aí, como se nada tivesse acontecendo, o sangue subiu mais do que devia, o Nestor era carne de pescoço, um ponta-de-aterro na nossa cola, unha-e-carne com os patrões, ninguém suportava mais tanta opressão.
No final das contas, quando você sai do turno, não passa de um monte de ossos coberto de pó, resto de algodão pelo corpo, aquela fuligem toda do salão grudada em você, onde as máquinas martelam como bate-estacas, e isso não muda nunca, é aquela maratona de engrenagens, lançadeiras que vão e vêm, fios se entremeando, o tecido saindo lá na frente feito uma língua de fogo e os rolos se amontoando e as carretas da transportadora engolindo um por um e saindo direto para a estrada, e

sexta-feira, 7 de junho de 2019

CONTOS CORRENTES

I N S U L A R I D A D E

(Ronaldo Cagiano*)

Somos todos estrangeiros
nesta cidade
neste corpo que acorda.
Heitor Ferraz

Passageiro num fim de dia extenuante, o Grande Circular deixava a W-3 Sul e contornava a pista de retorno em frente ao Corpo de Bombeiros para penetrar no amplo sistema viário que leva ao Setor de Embaixadas, ao Aeroporto, à Via L-2, ao Núcleo Bandeirante e à Saída Sul, quando minha atenção migrou das páginas que eu lia, para flagrar o sujeito ao meu lado a tentar o diálogo, mas meus olhos detidos numa leitura intensa e sedutora de A morte Feliz, de Camus, ainda não haviam permitido desviar o olhar para aquela criatura que me fitava, com a intermitência de miradas esquivas, desde que tomei o coletivo no ponto perto do Brasília Rádio Center. Concentrado estava, concentrado fiquei, em Patrice Mersault, em Roland Zagreus, num ponto qualquer da Argélia, onde o livro me transportava numa velocidade superior à do coletivo, aos mundos absurdos da existência humana. Nesses longos minutos de assédio ocular, diante da minha imobilidade alheia aos sentimentos e atitudes próximos, a impaciência da alma ao meu lado ia agredindo minha leitura, uma leitura sobre questões intrigantes da natureza humana. Mas o que poderia ser mais intrigante que a sua insistência em ser notado, ouvido, além do mar de nadas e obviedades que nos cercavam?

Examinei, de soslaio, aquele homem bem trajado – quem era? de onde veio? por que andava de ônibus? para onde ia? teria me reconhecido? não, eu não o conhecia, nunca conheci ninguém, não me importo – tentava estabelecer um contato, ainda que mínimo, para quebrar a onda de silêncio e solidão que procelavam dentro dele, em meio àquela profusão de corpos num coletivo, para fugir à transitoriedade dos relacionamentos de um ônibus de rua. Nem isso, nem essa certeza de que a sua presença reclamava a minha ou de qualquer outro, foi capaz de furtar-me em minha faina de leitura obcecada, Camus me dizendo coisas, Era uma nostalgia de cidades cheias de sol e de mulheres, com

quarta-feira, 9 de maio de 2018

CANTIGAS DE AMIGOS

VARIAÇÃO SOBRE UM POEMA DE MARÇAL AQUINO
Ronaldo Cagiano (*)

Outro dia
faleceu a puta mais antiga
da cidade.

Devorada por um câncer,
a quimioterapia rareou seus cabelos
impingiu-lhe uma face esquálida
e a boca semi-aberta e murcha
realçava a minúscula
povoação de dentes.

Seu tempo, um rol de incertezas.
Sua vagina, um cemitério de espermatozóides.
Jamais reclamou da sorte,
não teve patrão nem FGTS
não falava mal dos políticos
respeitava as religiões
pagava as contas em dia
mas desconhecia o que foi
o maio de 68.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

CANTIGAS DE AMIGOS

GÊNESE*

Busco na palavra sua unção,
labirinto de paradoxos,
onde mergulho
feito escafandrista num garimpo de im
                                               possibilidades.
Território de invenções,
ela me estende a ponte
entre o sagrado
         e o profano

Em cada manhã
rompe com sua insistência de rio
         e sua pontualidade solar.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

CANTIGAS DE AMIGOS

ROTINA
(Ronaldo Cagiano)

O último trem vara meus
instintos – a vida segue como um tiro.
(Tanussi Cardoso)

Do pátio da velha estação
(esqueleto desativado onde hibernam morcegos)
procuro no tempo escuro e abissal
a histriônica locomotiva da infância
penetrando a cidade como um raio.

Fera metálica atravancando a avenida
beirava o córrego como uma centopeia arengueira

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

CANTIGAS DE AMIGOS

ENFERMIDADE
 (Ronaldo Cagiano)

Ao abrir a porta, rebobino o passado.
                                 (Prisca Agustoni)

A casa em seu discurso:
continente onde ancoram dissabores
e a ourivesaria das Parcas não falha
          as vértebras do nada
mobiliando de vazios
         as solidões fossilizadas
pela tirania dos cupins
e a ferrugem nas dobradiças

A mãe e seu mapa de renúncias
e a máquina de costura que nunca teve amnésia

quarta-feira, 12 de julho de 2017

CANTIGAS DE AMIGOS

RECADO A BANDEIRA
(Ronaldo Cagiano)
                                    
Sim, poeta, o que eu vejo

é um beco sem saída,

nessas casas sem alvenaria moral

que tantos gemidos sussurram

e outros fantasmas habitam.

Já não basta ouvir um tango argentino

sexta-feira, 2 de junho de 2017

CONTOS CORRENTES

DIES IRAE                     
(Ronaldo Cagiano*)
                                                                                      Que coisa é esta que
assoma o animal em nós?
Ésio Macedo Ribeiro

...naquele dia eu estava tomado por um sentimento que verdadeiramente era o acúmulo desses anos todos pilotando os teares. Você não sabe o que é aguentar todo dia o contramestre na sua cabeça ferroando, ferroando, feito uma britadeira na sua cabeça,  a produção tá caindo, as encomendas tão chegando, e vocês aí, como se nada tivesse acontecendo, o sangue subiu mais do que devia, o Nestor era carne de pescoço, um ponta-de-aterro na nossa cola, unha-e-carne com os patrões, ninguém suportava mais tanta opressão.

sábado, 16 de maio de 2015

RESENHA DA SEMANA

A partir de agora, todos os sábados serão postadas resenhas de livros produzidas por amigos. Quem quiser participar , basta que me envie seu texto, ficando porém claro que passarão por análise de conveniência. Nosso foco é a literatura.

A resenha de hoje é sobre o livro Malditas Fronteiras, de João Batista Melo e quem escreve é Ronaldo Cagiano.  
Livro: Malditas fronteiras
Autor: João Batista Melo
Editora: Benvirá, 2014 Pgs. 289  (R$ 32,50)




Entre dois mundos, um horizonte de espantos

Ronaldo Cagiano (*)


João Batista Melo
              Vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais e finalista do Prêmio Benvirá de Literatura (2014), Malditas fronteiras, do mineiro João Batista Melo, aborda a recorrente questão da insularidade do estrangeiro na ótica de duas crianças que, na Belo Horizonte da década de 1940, compartilham questionamentos e perplexidades, a reboque do clima de apreensão que antecede à Segunda Guerra Mundial.

              Pelo olhares argutos de Valentino (filho de um empresário xenófobo) e da pequena e cega Sophie (neta de Konrad, um mestre cervejeiro alemão, que vive a eterna busca da uma receita perdida de uma cerveja bávara) vão se descortinando tempos e geografias, numa simbiose entre presente e passado, diante da bruma indecifrável do futuro. Num movimento pendular entre Alemanha e Brasil, tendo Ettal e Belo Horizonte como cenários de suas deambulações afetivas e territoriais, a infância onírica é destronada, marcada  tanto pelo medo e instabilidade emocional diante da possibilidade de ingresso do Brasil no conflito, quanto pela amargura dos que, no exílio, assistem, inermes, ao plano bélico que desaguou no holocausto.  

quarta-feira, 13 de maio de 2015

CANTIGAS DE AMIGOS

ANTEVISÃO 
                                    Ronaldo Cagiano                                                                                               
: fui um rio disperso e incessante, mas me mantive 
 fiel à constância do leito-pergunta…
             Juliano Garcia Pessanha
            “Ignorância do sempre


Diante dos olhos
a luz-agulha da inóspita verdade:
em sua atrevida nudez,
vomita como o ventre bilioso de um vulcão.

Aquele rio que transbordava por vingança
no espasmo de suas margens oprimidas
caluniando as ruas e noites
da minha infância,
hoje é outro:

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

CANTIGAS DE AMIGOS

Poema de Ronaldo Cagiano, publicado no livro "O sol nas feridas".

GÊNESE


Busco na palavra sua unção,
labirinto de paradoxos,
onde mergulho
feito escafandrista num garimpo de im
                                               possibilidades.
Território de invenções,
ela me estende a ponte
entre o sagrado
         e o profano

Em cada manhã
rompe com sua insistência de rio
         e sua pontualidade solar.

Meticuloso engenho do verbo
que se faz silêncio
         ou boato

quinta-feira, 4 de abril de 2013

TEXTOS DE AMIGOS

O poema que segue está no livro Canção dentro da Noite, de meu amigo Ronaldo Cagiano, poeta e contista dos mais prestigiados do país.

               A Rua

A rua sem ninguém, um rio seco,
escuro corredor de muitos ventos.
           Ciro José Tavares



A rua está ausente e longínqua,
como uma estepe inatingível,
sobre cicatrizes de antigas procissões
e revolvida pelo séquito
de solenes funerais.

domingo, 14 de outubro de 2012

LIVROS RECEBIDOS NA SEMANA

Livro: MOENDA DE SILÊNCIOS

Autores: Ronaldo Cagiano e Whisner Fraga

Editora: Dobra Editorial
Novela Juvenil

Trecho da orelha de Rubens Shirassu Jr. (Poeta, ficcionista e crítico literário)
Moenda de silêncios, de Ronaldo Cagiano e Whisner Fraga, expõe os sonhos entrecortados pelas tentativas dos rapazes em vencer a batalha numa cidade toda feita contra eles. De um lado, a terra serena da promissão, terra do perdão, do outro, o sufoco, o vale-tudo, a agressão da "cidade inconquistável" - os dois brasis.






segunda-feira, 25 de junho de 2012

TERRA EM TRANSE

Terra em transe


Sobre escarpas sem fim
onde o horizonte se confunde com o tédio
dos olhos que divisam um mundo roto
trovoadas rangem dentro de mim
feito o som de dobradiças enferrujadas.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

NO MUNDO DA POESIA

Terminei de ler ontem e ainda estou em estado de graça. O sol nas feridas é um livro de poemas de Ronaldo Cagiano, no qual retoma sua temática predileta: o homem como ser no mundo, suas angústias, sua consciência dos embates que deverá enfrentar; mas também o homem como ser social (que Drummond chamaria de "embate social" na classificação que fez de sua poesia). E nisso, Ronaldo Cagiano demonstra não só competência na abordagem do assunto como também sensibilidade para captar as sutilezas dos pensamentos e sentimentos do ser humano. Mas não só no plano do conteúdo o livro é admirável; também no plano da expressão o Cagiano atinge um grau de poeticidade, a beleza de suas combinações, que se encontram apenas nos grandes poetas. Como exemplo, o poema abaixo: