sábado, 27 de setembro de 2014

BOLERO DE RAVEL É TEMA DE COMUNICAÇÃO ACADÊMICA NO XII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC

O professor Arnaldo Franco Júnior, da Universidade Estadual Paulista - UNESP, apresentou uma comunicação no XII Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada - ABRALIC, realizado em Campina Grande, na Paraíba, sobre o livro Bolero de Ravel. 

A comunicação do professor Franco Júnior é uma versão reduzida do trabalho de mesmo título que será publicado no livro "Ficção brasileira no século XXI – terceiras leituras" (no prelo).

Publicamos, a seguir, o texto da comunicação: 


XII Congresso Internacional da ABRALIC
Internacionalização do Regional

08 a 12 de julho de 2013
Campina Grande, PB


PREVISIBILIDADE DA RECEPÇÃO E MÁ FÉ NO ROMANCE
BOLERO DE RAVEL, DE MENALTON BRAFF

                                                                   Prof. Dr. Arnaldo Franco Junior[i]

Resumo:

No romance Bolero de Ravel (2010), Menalton Braff constrói um anti-herói que problematiza o
funcionamento e a lógica do “mundo administrado” (ADORNO, 1985), que, na
contemporaneidade, consolidou-se como realidade universal via globalização do capitalismo.
Este anti-herói desafia valores que fundamentam a ética do trabalho e o ideal de produtividade social característicos da Modernidade. O romance aciona certa previsibilidade no plano da recepção para evidenciar para o leitor o seu próprio grau de comprometimento com ideias e práticas vinculadas à alienação, à violência e à subordinação à ordem administrada do mundo. Ao tomar a recepção previsível como matéria narrada, o romance lê o leitor, premiando-o, no caso de ele ser um leitor crítico, com mal-estar por defrontar-se com uma sua inescapável má fé (SARTRE, 1973).

Palavras-chave: leitura, má fé, Menalton Braff, previsibilidade, romance, vida administrada.

1 - Introdução

Bolero de Ravel, romance de Menalton Braff, dá relevo a um anti-herói incômodo (um
fracassado, inútil, parasita), mobilizando a previsibilidade da recepção calcada no senso comum para convertê-la em matéria da narrativa e comentá-la[ii].Adriano da Silveira, o anti-herói do romance é incapaz de participar da ordem produtiva na condição de unidade (re)produtiva. Como não se aparta do convívio social, ocupa a posição de parasita: mora com os pais, vive de uma mesada que a mãe lhe
dá, suporta o mau humor do pai e as críticas da irmã. É escandaloso porque não encontra defesa possível no senso comum pautado pelos valores da moralidade média. Adriano faz da recusa um meio de vida: contrapõe-se à ordem produtiva burguesa, e explora as sobras do trabalho alheio para construir sua frágil resistência à ordem regida pelo trabalho. Esse anti-herói encarna um polo de pura negatividade. Por isso, revela-se intolerável e, da perspectiva de uma crítica radical aos fundamentos da ordem dominante, desconfortavelmente necessário. Por meio dele e de sua história reafirmam-se duas funções da literatura:
a) dar voz aos que são socialmente silenciados porque estão à margem da ordem produtiva e, por isso, não contam com o respaldo da moral dominante;
b) lançar questões incômodas que problematizam violências ideologicamente naturalizadas. Adriano está à margem da ordem produtiva porque se nega à ordem moral regida pelo trabalho. Isso, porém, ao custo de parasitar os pais.

2 - Fábula rarefeita e repetição

O romance a seguinte fábula: Adriano da Silveira perde os pais, que o sustentavam e com quem ainda vivia, num acidente de caro. Laura, sua irmã, o contacta para que providenciem, juntos, a venda da casa e a partilha dos bens. Adriano resiste a perder a casa e mudar seu modo de vida. Laura lhe impõe uma condição: a casa não será vendida caso ele seja capaz de mantê-la e de sustentar-se. Ele tenta integrar-se ao trabalho e à vida administrada característicos do mundo de Laura, mas fracassa. O fracasso de Adriano é acompanhado de uma progressiva desagregação subjetiva na qual certas vivências são repetidamente rememoradas por ele, marcando-se, a cada rememoração, pela ampliação dos elementos que as constituem. Essas rememorações compreendem:
a) um contato, na infância, com a morte quando do velório de um parente;
b) um encontro com um mendigo que o surpreende ao recusar dinheiro e pedir-lhe atenção;
c) sua decisão, na adolescência, de parar de estudar;
d) uma conversa com o pai, que lhe exige explicação para o abandono dos estudos;
e) sua iniciação sexual quase interrompida pela declaração de nunca querer filhos;
f) sua incapacidade de atender a um pedido da irmã para que ele lhe devolvesse a bola com que ela, na praia, brincava com o namorado.

Esta última vivência rememorada é a mais importante de todas, constituindo-se num marco obsessivamente retomado e ampliado, a cada repetição, em seus elementos constitutivos e em seu peso dramático.

A rarefação fabular põe em primeiro plano os pensamentos, sensações e percepções de Adriano. A análise mental e o fluxo de consciência dão ênfase ao mundo interior do anti-herói, ao seu modo de ver e sentir o mundo dos outros do qual ele voluntariamente se apartou e no qual se recusou a ingressar até a morte dos pais. É por meio desses recursos que o funcionamento e a desagregação psíquicos de Adriano ganham corpo no romance: a fragmentação articulada à rememoração gradativamente se intensifica e a rememoração obsessiva de uma mesma vivência a transforma numa metonímia do drama do anti-herói.

Tal como na música de Ravel, a narração do romance baseia-se na articulação do uso progressivo da repetição com o acirramento do conflito dramático. O romance é estruturalmente semelhante à música. Nesta, temos:
a) repetição com diferença na retomada dos mesmos elementos (tema e frases musicais);
b) manutenção do ritmo e do andamento com progressiva inclusão de instrumentos que aumentam a intensidade dramática;
c) final abrupto que precipita o auge dos sons no silêncio.

No romance, temos:
1) repetição com diferença na retomada das mesmas frases e elementos narrativos (vivências e suas cenas);
2) manutenção do ritmo, calcado na fragmentação e na repetição, com progressiva inclusão de informações que adensam o conflito dramático;
3) final abrupto que precipita o auge do drama de Adriano num silêncio que sugere um colapso nervoso, uma precipitação na loucura ou a morte.

A narração apresenta uma estrutura circular que evidencia o auto aprisionamento de Adriano numa rede de relações da qual ele tenta, em vão, escapar. Suas ações são impotentes para romper com a ordem que o submete, articulando-se, em progressão espiralada, com um desespero que só pode cessar com a morte. A derrocada social de Adriano já se indicia em sua primeira recusa: a interrupção dos estudos. Suspensa por um tempo ao custo da relação parasitária estabelecida com os pais, essa derrocada se precipitará sobre ele como uma catástrofe a partir do acidente que os mata.

A partir daí, ele tem de se defrontar com Laura, irmã que é o seu oposto, personificando a ordem produtiva da qual ele não conseguirá escapar, e à qual nunca se integrou senão via abjeção moral.

Que no plano dos efeitos dramáticos o leitor, alinhando-se às razões de Laura, tenda a barrar a
identificação catártica com Adriano e seu drama e que, no plano das ideias, tenda a rejeitar os
valores que o anti-herói personifica, isso só faz revelar quanto de violência está introjeção nesse leitor, quanto essa introjeção tornou-se necessária à sobrevivência num mundo marcado pelo trabalho alienado, por uma ideia de produtividade como valor imanente. Ao recusar-se aos imperativos da ordem produtiva, ocupando contraditoriamente o lugar de beneficiário dessa mesma ordem, Adriano avalia com ironia e certo afeto piedoso, a (auto) violência e a auto alienação encarnadas por seu pai e por Laura e, também, projetadas no leitor que com eles se identifica.

Não quis descer do caro, a Laura, com seu corpo ocupado e cheio de compromissos para amanhã. O volante preso em mãos crispadas. Bem cedo, repetiu com sua única fisionomia. A vida toda, os compromissos. Ela foi uma criança de viver muito, seus dias organizados. Minha irmã não sabe viver sem estar envolvida, sem estar enredada nas tramas de alguma rede. Ela nunca teve preferência por ter sua vida solta dentro das horas. A Laura nunca se move pelo
prazer do movimento. Jamais a vi dançar sem um propósito prático. [.] Minha irmã é dessas pessoas que julgam salvar-se na ação. Não tem outra existência além da que lhe dá o movimento. Ela exerce com tirania o controle do seu tempo, mas já não sabe mais por quê (BRAF, 2010, p. 07-09).

Continuação do pai, Laura é alguém que se construiu e se movimenta num tempo regido pela
ordem produtiva. Ao contrário de Adriano, ela luta ferozmente para conquistar lugares de prestígio social: filha dedicada que dá satisfação aos pais correspondendo às suas expectativas, primeira aluna da escola, mulher que dá continuidade à família tornando-se esposa e mãe, advogada de sucesso casada com marido bem-sucedido nos negócios. É sobre ela que recairá com maior intensidade a crítica de Adriano, que nela flagra certa vacuidade existencial e uma forte despersonalização decorrentes de sua alienada integração ao status quo. O embate entre Adriano e Laura, bem como a história narrada no romance, tem um intertexto

célebre: a fábula da cigarra e da formiga, de Esopo, imortalizada por La Fontaine, que nela reforça a ética burguesa do trabalho. Menalton Braff, entretanto, obriga-nos a ouvir a voz silenciada nas narrativas de Esopo e La Fontaine. O romance parece responder às questões: “O que teria a cigarra a nos dizer sobre a sua experiência? Como se constitui o seu modo de ver e de viver o mundo?”.

Adriano ocuparia o lugar da cigarra de Bolero de Ravel, dado reforçado pelo seu gosto por música. As experiências existenciais de Adriano e de Laura exemplificam dois diferentes modos de lidar com a mesma ordem social e com o tempo. Para Adriano, a recorrência de suas rememorações se dá como fruição do presente. Já Laura age para projetar no futuro a reprodução da ordem em que vive. O tempo aparentemente circular que rege a rememoração de Adriano é o elemento de alteridade que constitui a sua subjetividade. Esta, que nunca projeta um futuro, afirma-se como distinta da subjetividade de todas as demais personagens, sobretudo a do pai e da irmã. Já o tempo linear que rege os acontecimentos a partir da morte dos pais é, por contraste, o elemento que constitui a subjetividade das outras personagens do romance, particularmente a de Laura, e, por isso, caracteriza-se como tempo social em que o futuro é projetado como reprodução da ordem socioeconômica e de seus valores.

Na atividade mental por meio da qual Adriano desempenha a função de narrador do romance
destaca-se uma vivência obsessivamente rememorada que cumpre, na narração, a função de
elemento que se amplia, iluminando todo o seu drama: Adriano está na praia, acompanhado de Laura e seu namorado, que jogam frescobol. Na praia há um cachorro amarelo que “brinca de morder gotas do mar que algumas crianças, com as mãos, jogam para cima” (BRAF, 2010, p.
154). A certa altura, a bola com que Laura e o namorado brincavam rola na direção de Adriano.

Laura pede que ele lhe devolva a bola, mas ele fica parado, incapaz de se mover ou de responder à irmã, concentrado nas “nuvens [que] amontoam-se sobre o mar, [.] escuras e agitadas” (BRAF, 2010, p. 153 – colchetes nossos), no frio crescente que se apodera do seu corpo, na mãe que subitamente aparece “por trás de uma duna muito alta. Subindo como se nascesse do oceano” (BRAF, 2010, p. 154), e que o agasalha com uma blusa e, por fim, num cachorro amarelo que “salta erguido com as patas da frente subindo muito, com a boca dando mordidas no ar” (BRAF, 2010, p. 154). Esta vivência ganha o valor de um marco fundador porque ela sintetiza a incapacidade de Adriano em responder às expectativas que sobre ele as demais personagens (e, também o leitor) depositam. Ela é reiteradamente rememorada por Adriano, intensificando, a cada retomada, a sua angústia. Ampliada a cada rememoração, ela torna indistintos os limites entre o factual e o imaginário, o que foi realmente vivido e aquilo que, na rememoração, ganha acréscimos da fantasia aproximando-se da alucinação (o cachorro, no final, passa a abocanhar as nuvens e despedaça o sol com as unhas, precipitando tudo na escuridão).

3 - Previsibilidade da leitura e má fé do leitor

Em Bolero de Ravel não se trata apenas de lermos a história de um perdedor cujos drama e fracasso são uma fatalidade previsível. Um dos efeitos mais importantes do romance está em fazer o leitor participar da intriga mediante uma identificação com Laura, a antagonista de Adriano. À previsibilidade da derrocada do anti-herói corresponde, no plano dos efeitos dramáticos, uma participação interessada do leitor, que, embora se disponha a acompanhar o drama do protagonista, não se identifica com ele, mas, sim, com a moralidade média, a ética burguesa do trabalho, a ordem social, enfim, das personagens e do mundo com que o anti-herói rivaliza. Neste sentido, a previsibilidade do destino de Adriano é, na recepção do romance, o elemento que força o reconhecimento do lugar que, também previsivelmente, o leitor ocupa quando chamado a posicionar-se em relação ao anti-herói e seu drama. A eficácia desse dispositivo se evidencia na criação de uma expectativa deliberadamente frustrada: a de que Adriano consiga vencer o desafio de integrar-se à ordem produtiva. Essa expectativa implica o leitor, obrigando-o a reconhecer-se parte integrante do mundo recusado por Adriano. A manifestação dessa expectativa frustrada se dá mediante um conjunto automático de avaliações morais de Adriano, facilmente rotulável de vagabundo, parasita, inútil. Ele não teria direito algum de queixar-se já que nunca trabalhou, não se emancipou economicamente, não teria se tornado adulto nem maduro de fato. É aí, precisamente, como determinismo, que se manifesta a má fé do leitor. Segundo Sartre, a “má fé é, evidentemente, uma mentira, pois dissimula a total liberdade do engajamento. [.] tem má fé [.] aquele que declara que certos valores preexistem a si próprios; estarei em contradição comigo [.] se, concomitantemente, quiser esses valores e afirmar que eles me são impostos (SARTRE, 1987, p. 16).

Eis o modo pelo qual Bolero de Ravel toma como matéria narrada a previsibilidade de leitura:
joga com a previsibilidade na recepção para, incluindo-a entre os objetos que comenta criticamente, ler o leitor identificado com a perspectiva da ordem social dominante. Se o leitor é lido pelo romance porque sua recepção é integrada à matéria narrativa como dado previsível, ele ocupa a posição de elemento participante do conflito dramático. Desse modo, torna-se objeto narrado passível de observação crítica. É o que acontece com o posicionamento, na recepção previsível, de uma leitura calcada na moralidade dominante. Neste sentido, o leitor que é lido pelo romance se arisca a deixar de ser um leitor crítico, identificando-se à leitura mais previsível e deixando de reagir criticamente. Bolero de Ravel parece ambicionar um leitor capaz de suportar o mal-estar de defrontar-se com as razões de ser de seu personagem protagonista e de reconhecer, em Adriano, um polo de negatividade que não oferece nenhuma resposta apaziguadora às questões que suscita com sua existência e sua inação.

É essa posição incômoda do leitor que lhe permitirá distanciar-se da adesão às razões de Laura, mas não sem esforço. O romance joga com a previsibilidade do destino funesto do anti-herói
para fazer com que o leitor reconheça que é ativo participante e defensor da ordem que destruirá Adriano. Afinal, essa ordem só o podia tolerar enquanto seus pais funcionavam como anteparo às punições que ele já poderia ter recebido mais cedo em virtude de sua recusa em integrar-se ao mundo do trabalho e à vida administrada. A derrocada do anti-herói só pode configurar-se como fatalidade, mas fatalidade sem dimensão trágica, pois esta exigiria alguma identificação com Adriano e essa possibilidade está barrada pela avaliação moral negativa que dele, por automatismo acionado pelo romance, o leitor tende a fazer. Se não há identificação catártica, barra-se a possibilidade de comoção que a tragédia e, mesmo, o drama produzem. A identificação possível com Adriano é, pois, necessariamente fruto de distanciamento e mal-estar.

Conclusão

A vivência obsessivamente rememorada por Adriano (incapacidade de devolver a bola, que, na praia, Laura lhe pede) só se dará a ler com todos os seus elementos no final do romance, funcionando como: a) metonímia do drama existencial de Adriano; b) clímax da desagregação  
psíquica do anti-herói; c) signo da derrocada final do anti-herói, que, simultaneamente, afirma  a sua existência e prenuncia o seu fim – sugestão inscrita na imagem do cachorro que abocanha o céu, destrói o sol e precipita a ambos “numa noite imensa. [em que] Apenas a escuridão existe” (BRAF, 2010, p. 156 – colchetes nossos). Detenhamo-nos na última dessas possibilidades.

Se barrarmos o julgamento moral e a rotulação psicológica de Adriano como vetores de
leitura, temos de reconhecer, nessa vivência continuamente retomada, um elemento que afirma em Adriano uma irredutível incapacidade de responder àquilo que dele esperam o pai, a irmã, a ordem produtiva, a sociedade. Sua paralisia ante os apelos da irmã para que lhe devolva a bola revela-se afirmação de autoconhecimento e de um posicionamento desesperado diante das falácias com que a ordem dominante aliena a vida. Não ser capaz de devolver a bola equivale, aí, a não ser capaz de jogar o jogo proposto pela ordem social. Isso afirma Adriano como polo de negatividade absoluta cuja potência questionadora se volta para a ordem que ele, por existir à sua maneira, desafia. Ele não consegue jogar o jogo da vida administrada. Isso constitui uma ação cuja potência questionadora se afirma como valor em si. Sua recusa não afirma liberdade nem independência, mas derrota. É no fracasso que ele se constitui como sujeito de si e de sua história. Ele é um anti-herói cujo fracasso critica a inexorabilidade da ordem à qual ele tenta se furtar. Seu fracasso o irmana a outras existências livres que também são objeto de escândalo por situarem-se à margem da ordem produtiva: os loucos, os mendigos, os velhos incapazes de trabalhar. Sua inação funda uma pergunta
que não cessa de ser formulada: “Por que tem de ser assim?”.

A afirmação dessa pergunta como dado de valor imanente revela-a como necessária num contexto em que a vida administrada prevê a oferta de dispositivos previsíveis de leitura para barrar o questionamento de seus fundamentos e das violências por ela naturalizada. A indignação diante da irredutível negatividade crítica encarnada por Adriano é, portanto, o dado que revela a previsibilidade dos modos de recepção a ela intrinsecamente vinculados. Só é possível indignar-se com base em algum conjunto de valores, não importa se de natureza moral ou não. Por isso, a reação que Adriano produz atingirá tanto o leitor que é lido pelo romance quanto o leitor que, rejeitando ocupar o lugar de matéria narrada, busca resistir à sedução das leituras previsíveis com que o romance o tenta. Entretanto, isso se dará de modos distintos: no primeiro caso, como indignação cujo efeito imediato é a culpabilização exclusiva do protagonista por seu infortúnio; no segundo caso, como mal-estar que resulta de um desnorteamento diante daquilo que, em Adriano, é irredutível a rotulações ou explicações, ultrapassando, inclusive, a dimensão individual do protagonista. A possibilidade de construção de uma leitura crítica demanda, necessariamente, o reconhecimento das leituras previsíveis como matéria do romance. Bolero de Ravel, enfim, premia o leitor crítico com o mal-estar de ter de se haver com a pergunta sem resposta, encarnada intoleravelmente por Adriano.

Referências bibliográficas
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Sobre a nova edição alemã. In: ___. Dialética do
Esclarecimento. Trad.: Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 09-10.
BRAF, M. Bolero de Ravel. São Paulo: Global, 2010.
SARTRE, J-P. O existencialismo é um humanismo. 3 ed. Trad. Rita Coreia Guedes. São Paulo:
Nova Cultural, 1987.




[i] Arnaldo FRANCO JUNIOR, Prof. Dr.
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de São José do Rio Preto
Departamento de Estudos Linguísticos e Literários
E-mail: afjr@ibilce.unesp.br

[ii] Uma versão expandida deste trabalho faz parte do livro Ficção brasileira no século XXI – terceiras leituras (no prelo).

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