domingo, 23 de outubro de 2016

ESPIANDO POR DENTRO

Esta coluna reúne análises literárias escritas por Menalton Braff e publicadas originalmente no site do escritor.

Livro Analisado: Ubirajara
Autor: José Martiniano de Alencar

A Obra

Ubirajara, que forma, com Iracema e O Guarani, o grupo dos romances indianistas de Alencar, considerando-se o projeto literário de seu autor, é o primeiro momento, a pré-história do Brasil. Apesar de ser um dos últimos romances de José de Alencar, (publicado três anos antes de sua morte) retrata a vida em um Brasil pré-cabralino. Toda a ação transcorre apenas entre índios das tribos dos tocantins, araguaias e tapuias.
José de Alencar, nascido em 1929, praticamente viu também o Brasil nascer. Herdeiro de senador, Alencar desde cedo teve os olhos voltados para o país. Sua concepção de língua, para citar um exemplo, era de uma nacionalidade altiva, soberana.
"Nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira. E não é só porque houvesse tratado assuntos nossos. Há um modo de ver e de sentir que dá a nota íntima da nacionalidade, independente da fase externa das cousas... O nosso Alencar juntava a esse dom a natureza dos assuntos, tirados da vida ambiente e da história local. Outros o fizeram também; mas a expressão do seu gênio era mais vigorosa e mais íntima."
Machado de Assis, autor do parágrafo acima, foi dos poucos críticos contemporâneos de Alencar que souberam aquilatar a importância e o espírito da obra alencariana.
O Brasil, sua língua, suas idiossincrasias, seu povo, mas sobretudo sua natureza: eis o objeto do amor de Alencar, sua preocupação, sua matéria-prima.
Alfredo Bosi, a quem não faltam credenciais para discorrer sobre o assunto, assim se referiu ao autor de Ubirajara:
"Para dar forma ao herói, Alencar não via meio mais eficaz do que amalgamá-lo à vida da natureza. É
a conaturalidade que o encanta: desde as linhas do perfil até os gestos que definem um caráter, tudo emerge do mesmo fundo incônscio e selvagem, que é a própria matriz dos valores românticos."
E em seguida acrescenta:
"O Brasil ideal de Alencar seria uma espécie de cenário selvagem onde, expulsos os portugueses, reinariam capitães altivos, senhores de baraço e cutelo rodeados de sertanejos e peões, livres sim, mas fiéis até a morte."

Tempo:

O tempo externo ou histórico remete-nos para um Brasil anterior ao ano de 1500, supostamente o ano do achamento.
O tempo narrativo, interno, abrange uns poucos dias, o tempo necessário para algumas intrigas guerreiras, alguns atos de bravura e um caso complicado de amor.

Espaço:
Na floresta central do Brasil, pelo que se depreende dos nomes das duas tribos: araguaia e tocantins.

Personagens:

Jaguarê - como se chama inicialmente o protagonista, por já ter vencido o jaguar. Mas ele está na idade em que "... o mancebo troca a fama do caçador pela glória do guerreiro." Pertence à tribo dos araguaias. Para que se cumpra sua formação (preparação) para tornar-se o cacique de sua tribo, tem demonstrar força, bravura, destreza em combate. Só depois que derrota em luta terrível o chefe dos tocantins é que passa a usar o nome de Ubirajara, que significa "o senhor da lança". Quando hóspede dos tocantins, pede para ser chamado de Jurandir, aquele que veio trazido pela luz do céu.

Pojucã - guerreiro da tribo dos tocantins, filho do cacique e aquele a quem Ubirajara derrota em luta leal. É também irmão de uma das futuras esposas de Ubirajara.

Araci - a estrela do dia, irmã de Pojucã, filha de Itaquê, cacique dos tocantins. Em um encontro na floresta, ela diz a Ubirajara: "- Guerreiro araguaia, ..., se pisas os campos dos tocantins como hóspede, bem-vindo sejas, mas se vens como inimigo, foge, para que tua mãe não chore a morte de seu filho e tenha quem a proteja na velhice." Acaba sendo uma das duas esposas de Ubirajara.

Jandira - a virgem araguaia com quem Ubirajara deveria casar logo depois de consagrado como grande guerreiro. Sente-se rejeitada o tempo todo, mas não consegue esquecer a beleza de seu guerreiro. Acaba sendo uma das duas esposas de Ubirajara.

Ação:
Jaguarê, filho do cacique da tribo dos araguaias, atinge a idade em que deverá demonstrar seu valor em combate para ser considerado um guerreiro. Sai pela floresta em busca de inimigo, mas encontra primeiro Araci, por quem se apaixona. Algum tempo depois de deixá-la partir, encontra Pojucã, irmão de Araci e também um "matador de gente" feroz.
Os dois iniciam a luta ao entardecer e quando amanhece ainda estão lutando. Finalmente Ubirajara vence e faz do futuro cunhado seu prisioneiro. Deveria casar em seguida com Jandira, mas pede um tempo e sai pela floresta na direção da maloca dos tocantins. Sua intenção é pedir Araci em casamento. É obrigado a participar de uma disputa feroz com os outros pretendentes da virgem. A todos ele vence e faz jus à filha do velho cacique. Depois de desposar a filha do cacique, parte imediatamente para a taba dos araguaias, pois era prestes o ataque dos tapuias, tribo inimiga. Ordena que Pojucã , prisioneiro, volte para sua tribo para cuidar da irmã, Araci. No caminho, Pojucã incendeia algumas choças dos tapuias e os tocantins são desafiados para a guerra. O cacique, pai de Pojucã e Araci é atingido nos olhos e fica cego. Seu arco de chefe acaba pertencendo a Ubirajara que já é o chefe dos araguaias.
As duas tribos unidas e sob o mesmo comando derrotam os tapuias que batem em retirada. Simbolizando a união das duas tribos, agora com o nome de Ubirajara, o próprio toma como esposa também Jandira, a virgem araguaia.

Estilo:
José de Alencar, como todos os românticos, tinha uma visão rousseauniana do índio: forte, generoso e puro. Jean-Jacques Rousseau, filósofo francês, havia desenvolvido a teoria do "bom selvagem", conhecida pela sentença: "O homem nasce bom, a civilização é que o corrompe". Para ele, Alencar, são características da linguagem dos índios:
singeleza e concisão. Isso é que lhe dá (à linguagem indígena) poesia e originalidade.
Toda a linguagem do romance, e, em certa medida, mesmo o discurso do narrador, é vazada em uma linguagem misto de singeleza e concisão, mas sobretudo de um tom por vezes solene, ou, pelo menos, épico.
Como em outras de suas obras, a adjetivação é farta e delicada: "Sua mão sutil urdia com o alvo fio do crauatá a fina penugem escarlate."
A comparação, segundo Alencar o modo normal da linguagem indígena, é a principal figura, seguida pela prosopopéia: "A copa frondosa ramalhou, como as palmas do coqueiro ao sopro do vento, e o tronco gemeu até à raiz."
As metáforas são, na maioria, de extração, digamos, indígena: "Mas o sol três vezes guiou o passo rápido do caçador através das campinas..."
A idealização, própria do Romantismo, além do caráter heróico e superior das personagens centrais - são todos caciques e filhos de caciques – está também na visão de uma sociedade ritualística de pensamento altamente complexo.
O autor:
Nasceu em Mecejana (CE), perto de Fortaleza, no ano de 1829 e morreu no Rio de Janeiro em 1877. Filho de senador, bem menino vem morar no Rio de Janeiro, onde inicia-se sua educação. Em São Paulo, ingressa na Faculdade de Direito, mas vai continuar o curso em Olinda (PE), com nova interrupção, para terminá-lo em São Paulo. No tempo de estudante escreveu uma novela (Os contrabandistas), que se perdeu. Formado, começou a advogar no Rio de Janeiro. Logo, porém, o gosto da literatura substituiu o direito. Neste tempo começa sua colaboração (Ao correr da pena) no Correio Mercantil. Nunca mais parou de escrever. Em 1860, morto o pai, ingressa na política elegendo-se deputado pelo Ceará. Atinge o alto cargo de Ministro da Justiça do governo conservador de D. Pedro II.
Desgostoso com o Imperador, abandona a política, para a qual, na realidade, não era grande sua vocação. Foi político conservador, sobretudo na questão do abolicionismo, que desejava lento e gradual.
Seus romances podem ser agrupados em: regionalistas, urbanos, indianistas e históricos.


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