segunda-feira, 25 de setembro de 2017

CRÔNICA

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff publicadas originalmente em seu site.
Caçadores noturnos

Não sou especialista em sociologia ou psicologia, tampouco em antropologia, mesmo assim ouso afirmar que o prazer que sentimos na captura de um peixe é um prazer atávico. Provavelmente tenhamos herdado tal prazer de nossos ancestrais, que, ao capturarem um peixe, garantiam a subsistência por mais um dia. Quanto prazer! Arrisco mesmo uma suposição: grande parte de nossos prazeres, talvez todos, esteja ligada à sobrevivência. A reprodução humana, por exemplo, não tem prazer que o supere, certo?

Tenho muitos amigos pescadores e algumas vezes já fui pescar com eles. Quinze minutos do centro, em pesque-pague com todo conforto: cadeiras de plástico, quiosques de bebidas e guarda-sóis. Chega-se à beira d’água, joga-se o anzol com isca na lagoa e espera-se. Não muito tempo, claro, porque um peixe vai passar pelo anzol, vai pensar que encontrou comida e comido acaba sendo ele. Tudo muito limpo, tudo muito correto, talvez deva dizer muito bem organizado. Alguns escolhem o tanque da tilápia, outros preferem o pacu, talvez o piau. Eis a que foram reduzidas as aventuras de nossos avós.

Onde o prazer de romper o mato à beira do rio, observar o movimento da água, sua cor, descobrir o lugar em que se abrigam os capturandos, imaginar o que vai acontecer? Onde a sensação de vitória ao fisgar alguma coisa que não se sabe o que seja, impor-lhe nossas habilidades correndo todos os riscos,
mesmo o de cair na água? Não existe mais o prazer da aventura, o gosto de encontrar o inusitado para comprovar nossa rapidez de raciocínio, o acerto de nossas decisões. Estamos todos mais ou menos empacotados e prontos para o delivery, com toda a assepsia que esperam de nós: seres civilizados. Os períodos decadentistas, como o ocorrido em fins do século XIX na França, são geralmente produzidos por excesso de civilização. Então, precatemo-nos.

Tenho um primo que, quando criança, via-nos sair para a caça. Era um tempo em que caçar passarinhos não causava remorso, um tempo em que ninguém falava em politicamente correto ou incorreto. Isso ainda não fora inventado. Menino de calça curta a gente não costumava levar por causa dos perigos. Como esse meu primo não era levado conosco, mas já se manifestava nele a vocação de caçador, exercitava sua pontaria dentro do viveiro de seu pai.


Conheço pencas de caçadores de viveiro por aí, que tiram a noite para sonhar suas aventuras. Um deles, jornalismo de peso, me contou que, em viagem pela Itália, jantou com a Sofia Loren, coisa e tal, e depois… bem, não sejamos indiscretos.

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