segunda-feira, 23 de abril de 2018

CARTAS DO INTERIOR

Morrer de tédio

A sala dos professores parecia uma colmeia de abelhas pelo rumor contínuo de umas cinquenta pessoas conversando sem parar. Lá num dos cantos da mesa, calado, talvez um pouco macambúzio, apenas assistia aos colegas, mergulhado naquele zumbido.

Uma pausa repentina e sem explicação, num impulso menos explicável ainda, como um grito necessário, quase de desespero, falei para que todos ouvissem: Não aguento mais, vou-me embora para o interior. Alguns me olharam rindo, outros, com olhares enviesados, concluíam estar testemunhando um surto de demência. O colega havia perdido o juízo.

Os assuntos foram retomados, o zumbido de colmeia voltou a ocupar o ar da sala. Apenas uma professora, sentada a meu lado, se ocupou do que teria chamado de suicídio. E passou a me contar sua história. Perto de uns quinze anos antes desta noite, ela e o marido acharam que não aguentavam mais. Venderam o apartamento, alguns trastes de pouca utilidade, e foram morar num sítio à beira de uma pequena cidade do interior. Até me disse que cidade foi, mas já não lembro mais qual era.

As primeiras semanas foram de namoro com a natureza, o silêncio, a disponibilidade e o ócio. O primeiro ano, enfim, cumpriu-se mais ou menos de acordo com o projeto do casal. Era isso que eles
queriam. Era mesmo? Ao cabo de cinco anos, com sérias ameaças de homicídio, esmagados pelo ócio, pelo silêncio e principalmente pela natureza, resolveram vender o sítio e ela, minha colega, resolveu voltar à sua cátedra, onde, na época, sentia-se muito feliz.

Ouviu-se o sinal chamando-nos às salas de aula, e minha colega, quase desesperada, fez seu último apelo: Não faça isso. Você não vai aguentar, vai morrer de tédio. Minha cara colega (se é que vai encontrar a garrafa com esta mensagem) estou há mais de trinta anos no interior. Nunca trabalhei tanto em minha vida, nunca estive com meu tempo tão tomado por compromissos, nunca produzi metade do que venho produzindo. Palestras, sessões de autógrafos, mesas redondas, visitas a escolas e penitenciárias para discutir com leitores de livros meus sua recepção de alguma obra minha, ah, sim, jogar conversa fora em mesa de bar, atrás da loira ou daquela outra em que os romanos diziam estar a verdade.

Não, não faço a romântica apologia da vida simples do interior, reserva moral da sociedade. O interior tem também suas desvantagens, como aquele Jacinto do Eça bem percebeu. Por isso procurou a síntese, levando para suas terras o que havia de melhor na cidade. Não tenho terras, não posso imitá-lo, mesmo assim, minha querida colega, depois de mais de trinta anos, tive muito poucas oportunidades de morrer de tédio.

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