segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas inéditas de Menalton Braff


Nem tudo que balança cai


Imagino que não seja peculiaridade brasileira, esta sede, esta voracidade por tecnologia, como se a vida fosse impossível sem ela.

Hoje ninguém vai até ali na esquina buscar o pão e o leite a pé, exercitando seus músculos. O carro está aí pra isso. As máquinas, a eletricidade, a eletrônica vieram para nos servir, para facilitar a nossa vida. Depois, quando o médico descobre que seus músculos estão atrofiando, você vai fazer tudo que já poderia estar feito em uma academia (como agora são chamados estes lugares que substituem o exercício que já poderia estar feito), mas na academia, pelo menos, você tem hora certa, paga pelo uso destas outras máquinas, as sucedâneas.

Outro dia, no caixa de um supermercado, a funcionária precisou pesquisar de calculadora na mão qual o resultado de vinte dividido por quatro. Fiquei olhando pasmo para o rosto da garota para ver se descobria algum traço neandertalense, mas não, seu rosto era um rosto comum, igual ao de toda a tribo. Então me lembrei de algo lido não sei quando nem onde e que me pareceu exagero, ou seja, que dia viria em que não haverá mais cérebros que ponham os programas dentro das máquinas. Tanto a memória quanto a capacidade de raciocínio já terão ido para o espaço. Hoje tal afirmação já não
me parece assim tão exagerada.

Mas a mania que mais impressiona é o uso do celular. Um casal de namorados sentados um em frente ao outro no restaurante, os dois olhando para a telinha e movendo os dedos. Estavam conversando pelo zapzap. Para não gastar a voz? Que voz?

Ela também vai aos poucos sumindo de nossa vida. Presumo que mais grave do que esta economia, seja o fato de que as pessoas não conseguem mais firmar o olhar nos olhos de alguém. Essa é uma intimidade que intimida. E pensar que muita gente por aí dá um dedinho para se expor, para que todos vejam como se comporta em todos os momentos da vida, incluindo o que faz e como faz no toalete. Mas encontrar uns olhos, ao vivo, ah, não, isso é muito pesado.

Nada contra o desenvolvimento tecnológico, que, afinal de contas, é irreversível. O canhão destruidor não tem culpa nenhuma, nem o veneno é culpado pelo que faz. É um tremendo clichê, mas às vezes precisamos repeti-lo. O uso é que pode estar errado, isto é, a culpa é de quem usa mal o que nos é oferecido. Os venenos não podem, com a dose e a mistura adequadas, transformar-se em remédio?

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