sexta-feira, 22 de março de 2019

CONTOS CORRENTES

MANTO ÁCIDO     
                                                                             
(Ernane Catroli)

O gorgolejar do sangue nas carótidas infladas e o que me vem de porões. Maquiados porões.
*
Nomes. Lista de nomes. Nomes que até hoje.
*
E conchavos. Conchavos e terror. Também furor abissal. Irrefreável. Era isso que era?
*
Por vias tortuosas, encasquetei de encontrar o general tantos anos depois. Tínha notícias vagas por intermédio de um caminhoneiro que o encontrou numa cidadezinha do Espírito Santo.
*
O quarto. O quarto de janelas abertas. E outras tantas janelas abertas não bastariam.
*
Ele me encarou como se vasculhasse retratos sem cor.
*
A cama de ferro e a sua mão sobre o lençol.
*

Havia nele um resto da minha lembrança dele. Um resto.
*
Um mantra da minha infância - retornando vívido - até a divulgação dos resultados da Comissão

Nacional da Verdade com aquela cara no jornal. Pai. Pai. Pai.
*
Baixei a cabeça. Olhei minhas mãos.
*
E estremeci como se atingido por um fluxo de lava.
*
De lava. Um fluxo.
*
Mas ainda procurei o seu rosto.
*
Ele já olhava em outra direção.
*
O perfil torturado.


  • Ernane Catroli é mineiro (Sant'Anna de Cataguases). Há muitos anos reside no Rio de Janeiro.

2 comentários:

http://twitter.com/Menalton_Braff
http://menalton.com.br
http://www.facebook.com/menalton.braff
http://www.facebook.com/menalton.braff.escritor
http://www.facebook.com/menalton.para.crianças