segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

CRÔNICA

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff publicadas originalmente em seu site ou em revistas.

Muito riso e pouco siso

O inferno é infinitamente mais interessante do que o purgatório e o céu. No inferno nos identificamos, lá se encontram nossos vícios, os vícios humanos.

Pessoa de minha total confiança foi quem me contou. Uma dessas loiras contratadas por canais de televisão para divertir e instruir o povo brasileiro foi pega cometendo o que mais elas cometem: uma gafe dantesca. São esses os momentos em que mais sentimos a falta do Stanislaw Ponte Preta. Sentimos nós, os que tiveram a ventura de viver numa época em que ele vivia. E escrevia. Seu Festival de Besteiras que Assolam o País, além de fazer as delícias de uma geração inteira, era uma válvula na panela de pressão, que foi a ditadura de 1964, mas não eram besteiras apenas de políticos. Uma de suas frases mais célebres ─ “Televisão é máquina de fazer doido” ─ comprova a abrangência de seu olhar arguto e caberia muito bem neste caso relatado por meu amigo.

A dita loira, interrogada por alguém sobre A divina comédia, de Dante (mas isso também já é crueldade), não teve dúvida e lascou, com a maior cara-de-pau, que tinha rido do início ao fim do livro.  Pobres meninas, obrigadas que são, no fogaréu de programas ao vivo, a fingir o que não são porque não podem decepcionar seu público sempre ávido por heroínas.


Conheço muita gente que nos continua merecendo o maior respeito e que confessa honestamente não ter lido A divina comédia. Pode ser uma deficiência cultural, jamais um defeito humano. Mas nossas apresentadoras, as tais heroínas, não sabem disso.

A palavra “comédia”, nos séculos XIII e XIV, não significava o mesmo que hoje. Ela era usada para designar qualquer narrativa que não tivesse final catastrófico, isto é, para narrativas que não terminassem tragicamente.

O riso, nesse caso, foi o disfarce da ignorância.

Só pra terminar, e lembrando uma entrevista recente de Umberto Eco: o inferno é infinitamente mais interessante do que o purgatório e o céu. No inferno nos identificamos, lá se encontram nossos vícios, os vícios humanos. A coisa amarela no limbo e se santifica no céu. A Beatriz, como imaginá-la a mulher amada senão aureolada de luz da santidade? Não, Dante não quis provocar nosso riso.


Não tenho notícias a respeito das convicções de Umberto Eco a respeito de religião. Talvez seja ateu e, por isso, não deseje o céu nem tema o inferno. Lembro-me de que declarou sua preferência com um sorriso bastante malicioso. O que me parece indiscutível, entretanto, (pelo menos foi a impressão que me causou) é que o julgamento do mestre prende-se apenas a uma avaliação poética.

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