CARTAS DO INTERIOR

Esta coluna reúne crônicas de Menalton Braff. A de hoje é inédita. Boa leitura!

É de chorar

Não sou muito lincado (horrível) em televisão, mas também não posso caminhar sem saber onde estou pisando, por isso de vez em quando assisto a algum noticiário. E o que eles apresentam (eles, os proprietários dos canais a serviço dos proprietários de quase todo o dinheiro que circula por este país) é a realidade de um país que desconheço. Deste nosso, aqui onde sofremos, com certeza não é. Os tais não se cansam de dizer que vai tudo bem, que as reformas vão distribuir para toda a população as benesses de uma economia que só tem olhos para a população como um todo, sem discriminação.

Eles decretaram nossa felicidade e não temos outro jeito senão abraçar a felicidade. Passo com muita frequência por ruas e avenidas de uma cidade mais para grande do que pequena, como a cidade onde moro. O que vejo e vejo cada vez mais são faixas, cartazes e paredes pintadas com duas chamadas: “aluga-se” e “vende-se” . Peraí, será que eles acima descritos nos tomam por idiotas? Um país parado, com obras a meio caminho sem nem sinal de que estejam em andamento, este país é que a mídia a serviço de “eles” quer nos vender como próspero lugar de um povo feliz? E os treze milhões de desempregados, onde é que eles escondem?

Outro dia, por motivos editoriais, precisei ir a São Paulo, a cidade mais rica deste país abençoado por deus e bonito por natureza, que beleza. Como sempre fazemos, minha mulher e eu, nos hospedamos ali pelas cercanias da av. Paulista. Lugar estratégico, de onde se pode a pé fazer quase tudo de que precisamos lá. O que vimos deu vontade de chorar. Pessoas, seres tão humanos quanto nós outros,
sempre dormiram nas calçadas da avenida mais rica do país. Certo. O que é de assombrar, entretanto, não é encontrar seres humanos nas calçadas da Paulista. O que é de assombrar é a quantidade destes seres enrolados em alguns trapos sujos, muitas vezes uma família com pai, mãe e filhos ali dormindo enquanto passávamos assustados.

Desculpem-me os virtuais três ou quatro leitores pelo tom de raiva com que vai sendo construída esta crônica. É que ultimamente tenho andado meio raivoso mesmo. Não consigo ver tanto discurso que não corresponde à realidade sem sentir raiva. E se você perdeu o poder da indignação, então meu caro, pode me acusar à vontade, mas devo entender que tudo está perdido.

E agora estão tentando acabar com a Previdência Social, substituindo-a por um sistema já tentado e abandonado em vários países. Imagino que não passará pela Câmara, mas se passar, então podemos contar com um mar de gente dormindo pelas calçadas deste país abençoado por deus.