sábado, 28 de janeiro de 2012

GRANDE SERTÃO: VEREDAS (26)

COM O DIABO NO CORPO

Riobaldo andava com muita vontade de matar. Além do mais, tinha prometido isso na frente de seus homens. Mataria o primeiro ser que encontrasse em seu caminho. Acabou encontrando um homem a cavalo, acompanhado por um cachorro.
Pág. 489 - "- 'Aqui, este, deveras eu mato?'
- 'Senhor mata? Senhor vai matar?' - o pretinho só se saiu pelos olhos."
(...)

Pág. 491 - "- 'Vai sêbo!' - eu tornei a xingar o menino-de-infância.
Adforma que eu tinha de resolver. Antes ligeiro, para os meus homens não me acharem aparvo. Ou o demo. O demo? Ainda que muito eu sei. Agora esse se prrespiritava por lá, sabível mas invisível; e ele estava se rindo de mim, meu próximo."
Pág. 492 - "- ' Rai'-a-puta-pô! Não tenho que matar este desgraçado, porque minha palavra prenhada não foi com ele: quem eu vi, primeiro, e avistei, foi esse cachorrinho!..."
Pág. 493 - " -'A bom, cachorro a gente enforca...' - o menino Guirigó deu atrevimente de ensinar. Mandei que esse menino fosse para mais longe, perder as influências. Deram uma palmada na anca do cavalo dele, que o João Vaqueiro puxou, para ir exilar os dois em boa conveniente distância. (...) Tornei a transdizer:
- 'Adonde!... E nem não foi essa cadela. A égua, essa é que foi - a que primeiro deu nas minhas vistas!"
(...)
"Divertidos, todos; quem é que ia me contrariar? Eu era senhor dali e daqui: eu falando, ficava sendo."
Apearam o homem para executar seu animal.
Pág. 494 - "Agora era que achava pranto, com bem de choro: estava chorando soluços fortes, igual se fosse criança pequena. Aquilo não tinha nenhuma sensatez e me dava gastura, astúcia que remexia com minhas resistências."
(...)
"Agora eu colhi em mim um estado de desânimo. A ser, que, por conta daquele homem, por meus desmandos, quem sabe eu ia ter, mais para adiante, de pagar, com graves castigos?"
Riobaldo percebe que tinha feito uma promessa errada num momento de rompante.
Pág. 495 - "Ao dito, porque eu tinha começado a desastrada estória, que um final razoável carecia de ter. Suficiente sacar garrucha, e mirar o tiro na testa dá égua, que se debruçava de pernas abertas, se acabando. A tanto, pois?
Ao que o Fafafa, que não teve poder em si de se consentir silêncio, virou para mim, e disse: - 'Nosso Chefe, com vênia eu peço: o senhor aceite de eu pagar em dinheiro o prêço deste inocente animal, que seja poupado...A eguinha não é de todo ruim...' "
(...)
- 'Delibero o certo: o primeiro que eu v i, foi essa égua. Ela tinha de receber a morte... Ah, mas égua não é gente, não pessoa que existe. E que? Ah, então não é cabível que se mate a égua, por tanto que a minha palavra decidida era de se matar um homem! Não executo. A alçada da palavra se perdeu por si e se gastou - pois não está dito? Acho e dou que o negócio veio ao terminado."
E a história da promessa tem um fim inesperado.
Pág. 496 - "- 'Aí, correr alguém, em tempo de campear outra vez esse homem...1 - eu disse - 'Trazer, a modo de se dar a ele dinheiro, se dar de comer e um  café, e tornar a entregar a ele o que é dele..."
Mas o homem tinha sumido. A égua fica pastando, a cachorra sai em disparada seguindo os rastros do dono e o bando segue seu caminho.

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