O desconhecido está prestes a amar, mas...
Pág. 83 - "Caminhavam por uma rua deserta, na direção dum letreiro luminoso. O mestre explicava ao homem de gris:
- Você vai conhecer agora uma espelunca interessante, uma boîte de nuit de terceira ou quarta classe. O proprietário é um dos homossexuais mais antigos da cidade. Um veterano ou, melhor dito, um clássico. O nanico quer divertir-se numa casa onde haja mulheres, música e bebida, tudo isso temperado com uma pitada de sordidez. Não vejo melhor lugar que o cabaré do Vaga-lume."
(...)
"Longe, na boca da rua, o céu foi repentinamente iluminado por um relâmpago.
- Vamos, nanico!"
(...)
"Antes de entrar, o Desconhecido vislumbrou um vulto branco na calçada deserta."
"Atravessaram um curto corredor mal-alumiado, (...) entraram no salão principal."
Pág. 84
"Nas paredes caiadas viam-se, desenhadas a carvão, figuras de mulheres semidespidas ou completamente nuas, com legendas ambíguas. 'Obra do nanico em muitas noites' "
(...)
"O mestre tocou no braço do homem de gris e dirigiu-lhe o olhar para uma pequena mesa circular ao pé do estrado da orquestra.
- Aquele é o Vaga-lume."
(...)
"... um rosto envelhecido, com fundas rugas que partiam das aletas do nariz e desciam até o queixo pelos lados duma boca polpuda e obscenamente sugestiva."
(...)
"- É um encanto de criatura - comentou o mestre."
Pág. 85
"O garçom (...) fez uma curvatura respeitosa e perguntou:
- Que desejam?
Tinha uma voz efeminada e levemente trêmula.
- Mulheres! - gritou o corcunda. - Antes de tudo, mulheres. Depois, bebidas.
- Quais são as pequenas que estão livres? - indagou o mestre.
- A Ruiva e o Passarinho indagorinha entraram para a toilette."
(...)
"- Pois convide essas duas meninas a virem para cá."
"- Belas raparigas. Pegue a Ruiva, que é uma mulher substancial."
(...)
"- Veja essa gente - disse. - Aqui temos de tudo. Moços e velhos, casados e solteiros. Filhos de famílias da alta burguesia e empregadinhos do comércio. Está vendo aquela rapariga bonita, de olhos grandes e pinta na face? È duma boa família. Classe média, o pai é aposentado. Ela é empregada pública e ganha pouco. É de noite que faz mais dinheiro. De manhã, naturalmente dorme. Tem um noivo, rapazes do interior, creio que fazendeiro. Vão casar o mês que vem. Alô, meu bem!
Pág. 86 - "- Ah! - fez o mestre. - Está vendo o rapaz de olhar mortiço, com ar de bêbedo na mesa seguinte? O pálido e magro... sabe por que é que ele está assim? Não é whisky nem gin. É maconha. A polícia desconfia que o Vaga-lume vende maconha. É uma injustiça."
Pág. 87 " - Uma nova forma de epilepsia - gritou-lhe o homem da flor ao ouvido. - Você já deve ter reparado como a mocidade de hoje se entrega desesperadamente à vida vertiginosa, à velocidade, à bebida, numa palavra: à dissipação, como diria um moralista. Qual a razão disso?"
(...)
"- A minha teoria é que esses meninos, que são puro instinto, já que cada vez mais estudam e sabem menos, têm a intuição de que amanhã, antes de atingirem a maturidade, estaráo de uniforme num campo de batalha matando meninos de outras nações e sendo mortos por eles."
(...)
"- (...) Esses rapazes são a geração perdida da próxima guerra na qual o comendador espera obter mais lucros extraordinários..."
Pág. 89 - " A orquestra atacou um samba.
O mestre ergueu-se. Duas mulheres estavam agora diante dele. Uma alta, fuiva, de seios empinados e rosto de feições bem marcadas e agradáveis; a outra, baixa e franzina, os olhos tristes e grandes, de expressão virginal..
O homem da flor disse alguma coisa ao ouvido da Ruiva, mostrando o Desconhecido.
- Vão sentando, meninas."
(...)
"A Ruiva perguntou ao Desconhecido:
- Não gosta de dançar?
Ele sacudiu a cabeça negativamente."
Pág. 89 - "- Vocês, meninas, querem comer alguma coisa? "
As duas alegaram ter jantado há pouco, então o mestre pediu bebidas.
"- Beba! - disse o mestre ao Desconhecido.
Ele obedeceu."
(...)
"Foi nesse instante que, por baixo da mesa, a Ruiva lhe segurou a mão. Ele teve um estremecimento agradável e apertou também os dedos da mulher."
Pág. 90
(...)
A mão da Ruiva pousou, quente e macia, no joelho do Desconhecido, que a cobriu com a sua."
"- Como é o seu nome, bem? - murmurou ela.
- Não tenho nome - respondeu ele, sem saber ao certo por que dizia aquilo. Ela desatou a rir, como se tivesse achado muita graça na resposta.
O Desconhecido tornou a encher a taça e a levá-la sofregamente à boca. Apertou a coxa da Ruiva e sorriu para ela."
Pág. 91 - "Tornou a beber. E dali por diante tudo se lhe tornou confuso.
A música ergueu-o no ar, levou-o até o teto, e a vela acesa subiu com ele, a chama quase lhe queimava a ponta do nariz, e ele ficou a nadar naquele lago sombrio, como um peixe, e era bom mergulhar, tocar com os pés o fundo e de novo..."
Segue-se um belo e extenso parágrafo expressando o delírio da embriaguez. É um momento de poesia.
Pág. 92 - " Por que o torturavam daquela maneira? O mestre sacudia-o, sorrindo e dizendo: 'Vamos, homem, abra os olhos!' O anão tirou do balde um cubo de gelo, mas o outro gritou 'Agora chega!´
O Desconhecido levou a mão à coroa da cabeça e sentiu-a gelada e úmida. 'Beba mais café, vamos!' De novo a voz macia do mestre."
"A Ruiva enxugava-lhe os cabelos, a testa e as faces com um guardanapo. O corcunda soltava gargalhadas. (...) Apenas três mesas estavam ainda ocupadas."
(...)
"O homem da flor pousou a mão no ombro do Desconhecido:
- Você perdeu o show.
- Foi uma beleza, meu bem - garantiu-lhe a Ruiva."
(...)
"- Três e quarenta e cinco. É hora de ir andando...
- Hora de ir para a cama - ciciou o corcunda, piscando o olho para o Passarinho. A rapariga encolheu-se e olhou para a amiga num mudo apelo.
ergueram-se. O Vaga-lume aproximou-se, apertou a mão dos três homens e desmanchou-se em agradecimentos. Voltassem! A casa era deles.
Saíram"
Como se pode observar, neste fragmento, a Geração de 30 é extremamente crítica em relação à ordem social. O narrador, como maneira de não se comprometer, bota as palavras mais contundentes na boca de um monstrengo humano, que diz o que muitos gostariam de dizer.
Pág. 83 - "Caminhavam por uma rua deserta, na direção dum letreiro luminoso. O mestre explicava ao homem de gris:
- Você vai conhecer agora uma espelunca interessante, uma boîte de nuit de terceira ou quarta classe. O proprietário é um dos homossexuais mais antigos da cidade. Um veterano ou, melhor dito, um clássico. O nanico quer divertir-se numa casa onde haja mulheres, música e bebida, tudo isso temperado com uma pitada de sordidez. Não vejo melhor lugar que o cabaré do Vaga-lume."
(...)
"Longe, na boca da rua, o céu foi repentinamente iluminado por um relâmpago.
- Vamos, nanico!"
(...)
"Antes de entrar, o Desconhecido vislumbrou um vulto branco na calçada deserta."
"Atravessaram um curto corredor mal-alumiado, (...) entraram no salão principal."
Pág. 84
"Nas paredes caiadas viam-se, desenhadas a carvão, figuras de mulheres semidespidas ou completamente nuas, com legendas ambíguas. 'Obra do nanico em muitas noites' "
(...)
"O mestre tocou no braço do homem de gris e dirigiu-lhe o olhar para uma pequena mesa circular ao pé do estrado da orquestra.
- Aquele é o Vaga-lume."
(...)
"... um rosto envelhecido, com fundas rugas que partiam das aletas do nariz e desciam até o queixo pelos lados duma boca polpuda e obscenamente sugestiva."
(...)
"- É um encanto de criatura - comentou o mestre."
Pág. 85
"O garçom (...) fez uma curvatura respeitosa e perguntou:
- Que desejam?
Tinha uma voz efeminada e levemente trêmula.
- Mulheres! - gritou o corcunda. - Antes de tudo, mulheres. Depois, bebidas.
- Quais são as pequenas que estão livres? - indagou o mestre.
- A Ruiva e o Passarinho indagorinha entraram para a toilette."
(...)
"- Pois convide essas duas meninas a virem para cá."
"- Belas raparigas. Pegue a Ruiva, que é uma mulher substancial."
(...)
"- Veja essa gente - disse. - Aqui temos de tudo. Moços e velhos, casados e solteiros. Filhos de famílias da alta burguesia e empregadinhos do comércio. Está vendo aquela rapariga bonita, de olhos grandes e pinta na face? È duma boa família. Classe média, o pai é aposentado. Ela é empregada pública e ganha pouco. É de noite que faz mais dinheiro. De manhã, naturalmente dorme. Tem um noivo, rapazes do interior, creio que fazendeiro. Vão casar o mês que vem. Alô, meu bem!
Pág. 86 - "- Ah! - fez o mestre. - Está vendo o rapaz de olhar mortiço, com ar de bêbedo na mesa seguinte? O pálido e magro... sabe por que é que ele está assim? Não é whisky nem gin. É maconha. A polícia desconfia que o Vaga-lume vende maconha. É uma injustiça."
Pág. 87 " - Uma nova forma de epilepsia - gritou-lhe o homem da flor ao ouvido. - Você já deve ter reparado como a mocidade de hoje se entrega desesperadamente à vida vertiginosa, à velocidade, à bebida, numa palavra: à dissipação, como diria um moralista. Qual a razão disso?"
(...)
"- A minha teoria é que esses meninos, que são puro instinto, já que cada vez mais estudam e sabem menos, têm a intuição de que amanhã, antes de atingirem a maturidade, estaráo de uniforme num campo de batalha matando meninos de outras nações e sendo mortos por eles."
(...)
"- (...) Esses rapazes são a geração perdida da próxima guerra na qual o comendador espera obter mais lucros extraordinários..."
Pág. 89 - " A orquestra atacou um samba.
O mestre ergueu-se. Duas mulheres estavam agora diante dele. Uma alta, fuiva, de seios empinados e rosto de feições bem marcadas e agradáveis; a outra, baixa e franzina, os olhos tristes e grandes, de expressão virginal..
O homem da flor disse alguma coisa ao ouvido da Ruiva, mostrando o Desconhecido.
- Vão sentando, meninas."
(...)
"A Ruiva perguntou ao Desconhecido:
- Não gosta de dançar?
Ele sacudiu a cabeça negativamente."
Pág. 89 - "- Vocês, meninas, querem comer alguma coisa? "
As duas alegaram ter jantado há pouco, então o mestre pediu bebidas.
"- Beba! - disse o mestre ao Desconhecido.
Ele obedeceu."
(...)
"Foi nesse instante que, por baixo da mesa, a Ruiva lhe segurou a mão. Ele teve um estremecimento agradável e apertou também os dedos da mulher."
Pág. 90
(...)
A mão da Ruiva pousou, quente e macia, no joelho do Desconhecido, que a cobriu com a sua."
"- Como é o seu nome, bem? - murmurou ela.
- Não tenho nome - respondeu ele, sem saber ao certo por que dizia aquilo. Ela desatou a rir, como se tivesse achado muita graça na resposta.
O Desconhecido tornou a encher a taça e a levá-la sofregamente à boca. Apertou a coxa da Ruiva e sorriu para ela."
Pág. 91 - "Tornou a beber. E dali por diante tudo se lhe tornou confuso.
A música ergueu-o no ar, levou-o até o teto, e a vela acesa subiu com ele, a chama quase lhe queimava a ponta do nariz, e ele ficou a nadar naquele lago sombrio, como um peixe, e era bom mergulhar, tocar com os pés o fundo e de novo..."
Segue-se um belo e extenso parágrafo expressando o delírio da embriaguez. É um momento de poesia.
Pág. 92 - " Por que o torturavam daquela maneira? O mestre sacudia-o, sorrindo e dizendo: 'Vamos, homem, abra os olhos!' O anão tirou do balde um cubo de gelo, mas o outro gritou 'Agora chega!´
O Desconhecido levou a mão à coroa da cabeça e sentiu-a gelada e úmida. 'Beba mais café, vamos!' De novo a voz macia do mestre."
"A Ruiva enxugava-lhe os cabelos, a testa e as faces com um guardanapo. O corcunda soltava gargalhadas. (...) Apenas três mesas estavam ainda ocupadas."
(...)
"O homem da flor pousou a mão no ombro do Desconhecido:
- Você perdeu o show.
- Foi uma beleza, meu bem - garantiu-lhe a Ruiva."
(...)
"- Três e quarenta e cinco. É hora de ir andando...
- Hora de ir para a cama - ciciou o corcunda, piscando o olho para o Passarinho. A rapariga encolheu-se e olhou para a amiga num mudo apelo.
ergueram-se. O Vaga-lume aproximou-se, apertou a mão dos três homens e desmanchou-se em agradecimentos. Voltassem! A casa era deles.
Saíram"
Como se pode observar, neste fragmento, a Geração de 30 é extremamente crítica em relação à ordem social. O narrador, como maneira de não se comprometer, bota as palavras mais contundentes na boca de um monstrengo humano, que diz o que muitos gostariam de dizer.
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