UM MENINO QUE REZA
São poucos quarteirões que o separam de casa, mas distância de uma vida.
Pág. 116 - "Onde estou? Olha em torno, de novo desorientado. Aos poucos, porém, vai reconhecendo fachadas familiares."
(...)
"Ao passar pela frente do mercadinho, volta a cara para o lado oposto, temendo ser reconhecido pela florista. Chega-lhe o perfume de jasmins-do-cabo."
(...)
"Naquela noite de verão e lua cheia a janela estava aberta para o jardim e a fragrância dos jasmins enchia o quarto."
Observar que o passado é recuperado por algum fato do presente, à maneira de Marcel Proust.
"Uma das tias lhe cantava baixinho uma canção antiga que falava em cavaloeiros-andantes, 0princesas e dragões. (...) e sonhou que estava perdido num castelo assombrado. Acordou em pânico e, vendo-se sozinho, desejou urgentemente a companhia da mãe. Saltou da cama, correu para a porta que dava para o quarto dos pais, abriu-a, e, à luz do luar, viu uma cena que o deixou estarrecido. Dois vultos lutavam gemendo sobre a cama. Compreendeu tudo instantaneamente.
Sua mãe estava sendo assassinada."
(...)
"Sentiu no quarto a áspera presençpa do pai. Não teve coragem de encará-lo."
Pág. 117 - "A mãe acariciava-lhe a testa suada com seus dedos frescos. 'Conte pra sua mãezinha o que foi que aconteceu'."
"O pai falou: 'Era só o que me faltava, ter um filho sonâmbulo'."
(...)
"...havia noites em que lhe chegavam aos ouvidos aqueles gemidos abafados, o ranger da cama, e uma que outra palavra indistinta."
"No dia seguinte metia-se furtivamente no quarto dos pais, ia examinar os lençóis, procurando vestígios de sangue."
"Os murmúrios continuavam no casarão. 'Pobre da Maria. É uma mártir. Está se acabando aos poucos'."
(...)
"'Olha A Manhã!'
A voz estrídula chama-o ao presente. O vendedor ergue o jornal à altura de seus olhos. 'O retrato da vítima!'"
"De olhos baixos continua a andar. Devia haver uma lei, uma lei proibindo os jornais de noticiarem crimes, estamparem clichês repulsivos como esse. Devia haver uma lei. Uma lei."
Esse último parágrafo é um bom exemplo de discurso indireto livre. Observe-se queo primeiro período, facilmente identificável como discurso do narrador, sem marcação nenhuma passa para o trecho que se inicia com "Devia... " que forçosamente temos de admitir que não é o pensamento do narrador, mas da personagem. Pela ideia que defende, inclusive pela repetição típica do pensamento.
Pág. 118 - "A voz dum menino que reza, lhe soa na memória. Rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte."
Novamente, como em exemplo anterior, temos a marcação do pensamento da personagem que é feita pelo itálico, o que configura discurso direto.
"'Morreu de repente, sem sofrimento, louvado seja Nosso Senhor.'"
O pai apertou-lhe o braço com força, inclinou-se sobre ele e disse: 'Vá dar um beijo na sua mãe, que lhe queria tanto bem'. Suas palavras tresandavam a álcool.
Ele beijou o rosto dessangrado e frio. (...) Três corvos. As caras pálidas, os olhos secos, as mãos lívidas apertando rosários..."
"E o assassino mirava-o com uma fixidez de louco, chorando como uma criança e respirando forte como naquela noite medonha."
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