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O professor Fritz Hoffmann tinha um sorriso meio tímido,
usava um par de óculos de vidro levemente esverdeado e vivia tirando da testa o
cabelo ralo e liso. Além disso, e de ensinar Geografia, o professor Fritz era
um dos professores que moravam nas casas do colégio, não muito longe de nosso
dormitório. Sua mulher era jovem, bonita, muito bonita, e recatada. Quase não a
víamos pelas cercanias da escola, com sua cabeleira de sol. E isso nos parecia
um exagero de egoísmo por parte do professor, que tão cruelmente nos privava
daquela prazer.
Nos domingos à noite estávamos, os internos, desobrigados do
estudo. Claro que em vésperas de provas não atendíamos à desobrigação. Era um
tempo em que mesmo adolescentes levavam os estudos a sério. Pois era nas noites
dos domingos que não precediam provas que aparecia pelo corredor um funcionário
tocando uma sineta e anunciando que o professor Fritz nos esperava no alto do
outeiro.
E lá íamos nós, felizes com o ar fresco de uma hora em que
costumávamos ficar confinados em nossos quartos. A quebra de uma norma
rigorosa, como era aquela, já era motivo de alegria.
De longe avistávamos o vulto escuro do professor colado no
céu azul-marinho. Recebia-nos com um cumprimento cordial, mais próximo, quase
como gente da família, sem aquela rispidez com que nos tratava em sala de aula
e que é própria das pessoas tímidas quando obrigadas a impor-se. Aprendêramos,
já, que havia dois professores num só. Um no confino de uma sala de aula e
outro para uso ao ar livre.
Cercado por um bando barulhento e feliz, agachava-se para
abrir sua maleta, de onde tirava sua potente lanterna. A aragem fresca, entre
oito e nove horas da noite, bulia em nossos cabelos, de vez em quando um grilo
avisava onde estava, por cima de nossas cabeças passava uma coruja ou um
curiango. Mas não despregávamos olhos do facho de luz que nos trazia aquelas
estrelas até as mãos, ou pelo qual subíamos até Macunaíma, uma estrela que não
parava de piscar o olho direito, cheio de malícia. Aquela ali, estão vendo?,
aquela ali é a Ursa Maior. Mudava a posição de sua escada luminosa. Estão vendo
agora?, o povo as chama de Três Marias, mas na verdade seu nome é Orion, uma
constelação. Como aqueles gigantescos holofotes que localizam aviões, nas
guerras, sua lanterna ia varrendo o céu, mas um céu tranquilo, sem ameaças, um
céu luminoso e bom.
No fim daquelas viagens siderais, descíamos o outeiro, na
direção do dormitório, mais silenciosos do que havíamos subido. Com mais sono, provavelmente,
e com nossos olhos carregados de estrelas. Em qual delas se terá transformado o
professor Fritz?

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