terça-feira, 9 de outubro de 2012

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (31)

Continuamos com a leitura do capítulo 2  O sistema semiótico literário da obra abaixo:

SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. 6ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1984.

A terceira contestação:

Pág. 70 - "c) Em príncípio, a teoria jakobsoniana da função poética devia possuir capacidade explicativa em relação a qualquer texto literário, pois que a pergunta à qual Jakobson se propõe respondeer é a segunte: 'O que faz de uma mensagem verbal uma obra de arte?' Por outro lado, o próprio Jakobson repudia qualquer tentativa de 'reduzir a esfera da função poética à poesia'. A verdade, porém, é que todos os argumentos e todos os exemplos aduzidos por Jakobson se reportam à poesia stricto sensu, isto é, à literatura escrita em verso, tornando-se evidente que a sua teoria da função poética carece de capacidade explicativa em relação a um domínio muito importante da 'arte verbal': o domínio da prosa literária, desde os textos literários narrativos até aos poemas em prosa. Mas, mesmo no âmbito da poesia stricto sensu, Jakobson preferencia claramente determinados valores e modelos em detrimento de outros: na esteira da Philosophy of composition de E. A. Poe, faz incidir a sua observação e a sua análise sobre poemas pouco extensos; privilegia, em consonância com uma grande linha de teoria e prática poéticas que passa por alguns autores românticos alemães e ingleses, por Poe, Baudelaire, Mallarmé, Valéry, Hopkins, etc., uma poesia em que avultam os fenómenos gramaticais, fónico-prosódicos e métricos - simetrias, recorrências, paralelismos, paronomásias, etc. - que melhor ilustram a sua teoria da função poética; escassa ou nula atenção presta à poesia escrita em verso livre e a toda a poesia contemporânea que refoge à mencionada tradição formalista (pág. 71) e se revela refractária, segundo as palavras de Michael Shapiro, ao programa jakobsoniano de 'geometrização da poética'.

Parece-nos, com efeito, que a teoria jakobsoniana da função poética, em vez de constituir uma teoria elaborada com o objectivo de descrever e explicar cientificamente as obras literárias em geral, constitui antes uma teoria descritiva, explicativa e justificativa de uma certa literatura e até, mais restritivamente, de uma certa poesia. Como vimos em 2.2., Jakobson, em numerosos textos da sua juventude, correlaciona sempre a função poética ou estética da linguagem com a extenuação, senão mesmo com o exaurimento, da capacidade referenciqal da linguagem, caracterizando o texto poético como uma mensagem autotélica e intransitiva na qual os signos verbais, esplendendo na sua corporeidade, se organizam automorficamente , segundo um processo semiótico que o próprio Jakobson designaria mais tarde por semiose introversiva. No plano filosófico, tanto estético como epistemológico, semelhante concepção de poesia - e de uma correlativa teoria poética - mergulha as suas raízes num neokantianismo difuso, bastante influente no início do século XX, que reafirma a doutrina kantiana da 'finalidade sem fim' da obra de arte e que concebe como autónomas e insuladas as diversas esferas da actividade teorética e prática. No plano estético-literário, aquela teoria (pág. 72) da poesia e da linguagem poética tem a sua matriz no formalismo de autores românticos e neo-românticos como Novalis, Coleridge, Poe, Baudelaire e Mallarmá, que conceberam o texto poético como um organismo auto-regulado e autotélico e a linguagem poética como uma espécie de álgebra encantatória. A teoria da dominante, presente no pensamento (pág. 73) de Jakobson pelo menos desde os anos trinta e reafirmada no estudo capital de 1958, 'Linguistics anda poetics', impede em princípio a anulação da capacidade referencial do texto poético e a sua concepção como uma mensagem marcada pela intransitividade pura, já que a função poética coexiste normalmente com outras funções da linguagem (por exemplo, o género épico especifica-se, segundo Jakobson, pela subdominância da função referencial). É indubitável, porém, que Jakobson, quer no plano teórico, quer no plano da sua prática de análise textual, tende a debilitar, senão a dissolver, aquela capacidade referencial, entendendo a autotelicidade do texto poético em termos de um dissídio, de uma dicotomia entre os 'sinais' e os 'objectos', privilegiando na urdidura textual a componente fonológico-gramatical e interpretando a ambiguidade da mensagem poética como uma sistemática lenificação desrealizante da carga e da energia referenciais, ideológico-pragmáticas e históricas da mesma mensagem.
Pág. 74 - Por último - e esta derradeira razão afigura-se-nos de relevância fundamental -, pensamos que Jakobons identifica e caracteriza erroneamente a mensagem poética ao considerá-la como produzida e como analisável em termos de comunicação linguística, ao conceber a função poética como uma função da linguagem verbal e, consequantemente, ao atribuir à poética o estatuto científico-disciplinar de subdomínio da linguística. Pensamois, pelo contrário, que a mensagem literária não é produzida nem é analisável em termos de comuncação linguística, que não existe uma função poética da linguagem e que a poética não é um subdomínio da lingística."

A partir deste ponto, em que argumentou contra as teorias jakobsonianas, Vítor Manuel começa a expor seu pensamento sobre o que seja a linguagem literária em vários capítulos em que analisa cada um dos aspectos da literariedade.

(CONTINUA)

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