domingo, 9 de dezembro de 2012

O CASARÃO GANHA RESENHA NA REVISTA ACADÊMICA VOCÁBULO

Resenha publicada pela revista Vocábulo
Curso de Letras do Centro Universitário Mauá


AS CICATRIZES DO CONSERVADORISMO EM
O CASARÃO DA RUA DO ROSÁRIO, DE MENALTON BRAFF
Natali Fabiana da Costa e SILVA *

BRAFF, M. O casarão da Rua do Rosário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

Menalton Braff surpreende seu leitor mais uma vez com seu último romance O casarão da Rua do Rosário (2012). Sob a perspectiva do menino Palmiro, os acontecimentos da ditadura militar, que contemplaram greves de operários, revoltas populares, lutas clandestinas e desaparecimento de civis, são captados pelo olhar sensível do narrador. Através de memórias da infância e juventude, ele compartilha as experiências de um período cujas dimensões políticas não podia ainda compreender, mas era capaz de sentir por meio da atmosfera de tensão e temor que ameaçava sua vida familiar. A situação acabou por culminar no desaparecimento de seu pai e consequente mudança para o austero casarão à Rua do Rosário, onde habitavam quatro tias solteiras, beatas, e um tio com problemas mentais.


Autor de uma escrita cuja linguagem cruza os limites da poesia, um dos méritos do romance em questão é o cuidado na elaboração do narrador. Em primeira pessoa, Palmiro, já adulto, relata suas impressões do passado buscando resgatar a ótica da criança que vivera conflitos familiares advindos da grave tensão política. Vale ressaltar que o narrador não se atém somente às memórias de menino, mas acompanha o seu amadurecimento, buscando uma mundividência que percorra cada fase de Palmiro, da infância à vida adulta, já como consagrado médico psiquiatra. O passado é, a todo instante, entrecortado pelo presente, numa espécie de jogo em “zigue-zague”, em que a enunciação invade o enunciado e a luz do presente esclarece as sombras do passado, ressignificando-o. Nesse jogo, o narrador não se oculta atrás da criança, mas, afirmando-se enquanto persona autônoma, cede vida e voz ao menino Palmiro, tal qual “no século XX, o apresentador de marionetas surge no palco com os seus bonecos: mais poderoso do que eles, deixa de esconder-se e torna-se ele próprio o centro do espetáculo” (TADIÉ, 1992, p.12).


O jogo memorialístico no qual fragmentos de lembranças se mesclam às impressões do presente – procedimento que constitui marca da escrita braffiana, assim como a linguagem poética – corrobora para o tratamento do tema no romance que, para além das cicatrizes dos nossos anos de chumbo, aborda também a rotina e o pensamento dos habitantes do casarão da Rua do Rosário: os membros da família Gouveia de

Guimarães. O casarão é habitado pelas tias de Palmiro. Benvinda, a mais velha, rege a vida dos que ali habitam. Sob a égide dos bons costumes e da moral cristã, é de maneira austera que essa irmã zela pelo nome da família comandando com mão de ferro as regras de conduta da casa.


Debaixo de tal regime, o lema da família Gouveia de Guimarães é defender a ordem, acreditando que “Cada brasileiro que ama este país tem o dever de denunciar todos os representantes da baderna, os inimigos do cristianismo” (BRAFF, 2012, p.236). Em desalinho, dois irmãos padecem as consequências por desafiarem o sistema da casa. O primeiro é Ataulfo que, pela sua deficiência mental, é alijado do convívio social, vivendo em uma edícula nos fundos da casa, longe das irmãs. Além dele, há Isaura, caçula, mãe de Palmiro e esposa de Bernardo, um militante político desaparecido. A ela cabe suportar, juntamente com os filhos, constantes humilhações das irmãs e também do bem sucedido e idolatrado Romão, irmão que mora em outra parte da cidade.


O desprezado núcleo familiar – Isaura e seus três filhos Palmiro, Irene e Dolores –, habitantes do casarão devido à difícil situação econômica a que foram submetidos pela prisão do pai, protagoniza a oposição ao regime da época, a um Brasil que deveria se silenciar em nome dos bons costumes e do progresso em detrimento da liberdade de expressão e dos direitos humanos. A ditadura não é tema novo na obra de Braff. 


Em Na teia do sol (2004), a angústia mental do narrador de codinome Tito, escondido em cativeiro durante a época da repressão militar no Brasil, é um exemplo da preocupação do autor com esse período. Deitado em sua cama, já seguro em seu esconderijo, Tito relembra as cenas de tortura pelas quais passou imiscuindo sua voz à do torturador. Distante de afirmar que Na teia do sol e O casarão da Rua do Rosário sejam

romances autobiográficos, é inevitável cotejar o tema recorrente na obra do autor à sua própria vida, pois, em 1964, Braff foi obrigado a abandonar a Universidade e sua família no Rio Grande do Sul e entrar para a clandestinidade, somente reaparecendo anos mais tarde, em São Paulo, local onde iniciou sua carreira profissional e literária.


As experiências vividas não apenas por Braff, mas por milhares de brasileiros no período da ditadura militar, foram transfiguradas pela sensibilidade do autor, plasmando nas malhas literárias a atmosfera de tensão e dor que transformou o país em território do medo por aproximadamente duas décadas. O menino Palmiro, testemunha da repressão e perseguição política narra sua visão sobre os acontecimentos em cinco capítulos, cada qual sublinhando sua relação com um dos Gouveia de Guimarães. A perspectiva da criança, do adolescente e, por fim, do adulto Palmiro estende-se para além dos anos da ditadura, alcança a abertura política e segue até o impeachment de nosso ex-presidente evidenciando as profundas cicatrizes do conservadorismo brutal de nossa sociedade.


* Doutoranda em Estudos Literários pela Unesp, onde pesquisa as obras do autor Menalton Braff desde o Mestrado. UNESP/Araraquara. Rod. Araraquara-Jaú Km1, São Paulo. e-mail: natali_costa@hotmail.com

BRAFF, M. Na teia do sol. São Paulo: Planeta do Brasil, 2004.

Referências:
______. O casarão da Rua do Rosário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
TADIÉ, J-Y. Quem fala aqui? In: ______. O romance no século XX. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Lda, 1992, p.12.

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