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Campeonato
do desperdício

No
campeonato do desperdício, somos campeões em várias modalidades. Algumas de que
nos orgulhamos e outras de que nem tanto. Meu amigo Adamastor, antropólogo das
horas vagas, não me deu as causas primeiras de nossa primazia, mas forneceu-me
uma lista em que somos imbatíveis. Claro, das modalidades que “nem tanto”.
Vocês
já ouviram falar em lixo rico? Somos os campeões. Nosso lixo faria a fartura de
um Haiti. Com o que jogamos fora e que poderia ser aproveitado, poder-se-ia
alimentar muito mais do que a população do Haiti. Há pesquisas do assunto e
cálculos exatos que “nem tanto”. Somos um país pobre com mania de rico. E nosso
lixo é mais rico do que o lixo dos países ricos. Meu falecido pai costumava
dizer: rico raspa o queijo com as costas da faca; remediado corta uma casca bem
fininha; pobre, contudo, arranca uma lasca imensa do queijo. Meu pai dizia, e
tenho a impressão de que meu pai era um homem preconceituoso, mas em termos de
manuseio dos alimentos nacionais, arrancamos uma lasca imensa do queijo, ah,
sim, arrancamos.
Outra
modalidade em que somos campeões absolutos, o desperdício do transporte.
Ninguém no mundo consegue, tanto quanto nós, jogar grãos nas estradas. Não
viajo pouco e me considero testemunha ocular. A Anhanguera, por exemplo, tem
verdadeiras plantações de soja em suas margens. Quando pego uma traseira de
caminhão e aquela chuva de grãos me assusta, penso rápido e fico calmo: faz
parte da competição e temos de ser campeões.
Na
construção civil o desperdício chega a ser escandaloso. Um dia o Adamastor,
antropólogo das horas vagas, me veio com uma folha de jornal onde se liam
estatísticas indecentes. Com o que se joga fora de material (do mais bruto ao
mais sofisticado), o Brasil poderia construir todos os estádios que a FIFA
exige e ainda poderia exportar cidades para o mundo.
Antigamente,
este que vos atormenta, levava um litro lavado para trocar por outro cheio de
leite. Você, caro leitor, talvez nem tenha notícia disso. Mas era assim. Agora,
compra-se o leite e sua embalagem internamente aluminizada para jogá-la no
lixo. Quanto de nosso petróleo vai para o lixo em forma de sacos plásticos?
Vocês já ouviram falar que o petróleo é um recurso inesgotável? Claro que não!
Mas sente algum remorso ao jogar os sacos trazidos do supermercado no lixo?
Claro que não. Nossa cultura de mosaico tirou-nos a capacidade de ligar os
fenômenos entre si.
E
o que desperdiçamos de talentos, de esforço educacional? São advogados
atendendo em balcão de Banco, engenheiros vendendo cachorro-quente nas avenidas
de São Paulo, são gênios que se desperdiçam diariamente como se fossem
recursos, eles também, inesgotáveis. No dia em que a gente precisar, vai lá e
pega. No dia em que a gente precisar, pode não existir mais. Não importa,
vivemos no melhor dos mundos, segundo a opinião do Adamastor, o gigante,
plagiando um tal de Dr. Pangloss, que ironizava um tal de Leibniz.
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