As cidades nasceram sob o signo da insegurança. As feras
atacavam impunemente este serzinho desprotegido, sem presas nem unhas que
prestassem, que era o homem. Nasceram e logo depois foram muradas. Claro, não
contente com os ataques ferozes, isto é, das feras, o homem inventou os ataques
ferozes, isto é, do homem. As feras queriam fazer dos homens seu repasto (não é
preciso escamar nem depenar) e alguns homens a todo custo queriam tomar posse
do que outros homens tinham. O remédio foi mesmo criar os muros.
Então veio o fim da Idade Média e os modos de ganhar o
pão-nosso-de-cada-dia foram-se transformando. Depois do artesanato veio a
manufatura. Depois da manufatura veio a indústria, e na era da sociedade
industrial tudo foi racionalizado. As poucas e pequenas cidades começaram a
inchar porque uma das leis do processo de industrialização era a concentração.
Os custos caíam quando homens-produtores, máquinas, matérias-primas,
homens-consumidores se aglomeravam.
Em nome dos baixos custos, ou seja, da maximização dos lucros (o economês é assim mesmo), criaram-se os grandes edifícios, as megalópolis cercadas de seus bairros populares, de suas fábricas e favelas.
Os problemas apareceram como subproduto da acelerada e
tumultuada urbanização. Subproduto indesejável e de solução às vezes quase
impossível. Onde arranjar escola para tanto bacuri, dizia o alcaide coçando a
cabeça de ralos cabelos. E onde jogar tanto dejeto? Bem, alguns jogavam-se no
rio, ou no mar, ou sabe-se lá onde. As cidades não davam conta de criar tantas
veias pelas quais deveria circular nosso
almoço de ontem antes de desaparecer. Os rios e os mares, então, arcaram com o
sacrifício: foram poluídos. A saúde, ora a saúde, e muito bom tecnocrata
raciocinava como verdadeiro Malthus. Mas nem todos eram malthusianos e o
prefeito arrancava os fios restantes de cabelo.
Ora, em nome do lucro se tinha criado uma solução e um
problema. Em nome do lucro criou-se também um outro tipo de sociedade: a
sociedade de consumo. Sem consumo não há lucro. Então toca consumir, porque
esse verbo passou a ser fundamental para a vida das cidades. No meu tempo de
criança, íamos à padaria com uma garrafa de boca mais larga, conhecida como a
garrafa do leite. Esta garrafa, depois de bem lavada voltava à sua nobre
função, e isto por um, dois anos. Com sorte, ela durava uma geração toda. Hoje
o leite nos chega num saquinho plástico que, depois de usado, vai fazer parte
do lixo urbano. São milhares e milhões de casas em que se consomem mercadorias
e se produz lixo.
Nós, os que não somos malthusianos, estamos escandalizados.
Algum tempo atrás, a Cetesb fez um levantamento e chegou à triste conclusão de
que 50,4% das cidades paulistas jogam seu lixo em lixões a céu aberto, sem
tratamento de resíduos, como deveria ser. Destes novos inimigos (insetos,
pequenos roedores, répteis, quase sempre invisíveis, mas provavelmente
transmissores de alguma peste) não há muro que nos defenda. E agora, José?
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