domingo, 21 de abril de 2013

FRAGMENTO DE UM ROMANCE JUVENIL

O fragmento que segue foi extraído do romance juvenil Como peixe no aquário, editado pela Edições SM, em 2004.
 

Aquele seu medo que já dura quase cinco meses mais parece uma gravidez redonda e latejante a lhe esticar a pele, um esforço pesado, uma espécie de rancor latente. Mesmo nos momentos em que a mente deveria estar distraída com as futilidades da vida, lá está seu medo, como um tumor agachado no canto escuro, espiando. Pode não tê-lo na frente dos olhos, pode até esquecê-lo por causa do costume, não pode, entretanto, desfazer-se da pele esticada. A fadiga já lhe rouba o gosto da vida: ainda bem que vai chegando a hora de resolver seu destino. O dinheiro está de volta no caixa e só lhe resta esperar o desfecho. Qualquer resultado, mesmo um desastre, será melhor do que a expectativa tensa em que vem vivendo.  

Seu Filinto acaba de chegar da tarde fria de junho, e Rita, uma flanela na mão, mantém meio corpo enfiado no balcão de vidro, limpando prateleiras e mercadorias de um pó imaginário. Protegido por tubos e caixas, vidros e pilhas de formulários, seu rosto transpira muito vermelho, mas não é do esforço. Este é o momento pelo qual tem esperado nos últimos meses. Não pode falhar. É preciso esconder-se, pois não conseguirá aparentar uma calma há muito tempo perdida.  

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