A algidez
ultrapassada de
Menalton Braff
Trata-se de um conto da coletânea “À sombra do cipreste”,
livro que deu a seu autor, Menalton Braff, em 2000, o prêmio Jabuti de Melhor
Livro de Ficção, revelando ao público leitor brasileiro um bom artista das
letras, quase desconhecido à época. Já a partir do título percebe-se que a
acusação de ser literário demais, recebida de primeiros críticos e resenhistas,
admirados com o novo notável da literatura nacional, procede. “Pequeno coração
álgido” é o título. O adjetivo “álgido”, eis, destaca-se, parece ter sido
colhido do túmulo de um erudito latinista. De fato, um frio percorre a espinha
do leitor ao se deparar com vocábulo tão fora de moda. Mas essa avaliação
reducionista, em parte irônica, pode ser precipitada.
No texto, pouco antes do alvorecer, um homem bastante
perturbado encontra sua mulher e filha dentro de uma rodoviária. Chegou a elas
após ler um bilhete deixado em casa. Quem capta o(s) sentido(s) da história
compreende que a mulher, por algum motivo, ou vários, decidiu-se pela separação
de seu parceiro, levando a filha que possuem. As duas se surpreendem ao vê-lo:
“... achegam-se mais uma à outra, acuadas, e acompanham com olhar medroso o
gesto exagerado daquele braço...” Haviam fugido de casa à noite e passaram a
madrugada na rodoviária, com o receio natural de um ambiente público, aberto a
toda sorte de vagabundos e intempéries.
Em meio ao burburinho e à agitação natural do lugar, o
homem começa a desfiar uma enfadonha série de elogios a seu favor e de
protestos contra a mulher. Ele trabalha para dar conforto à família, daí a
consternação: “Faltando o quê, em casa, o que mais podem querer para não
fugir?” A mulher sente-se impotente, porque parece ser a típica (talvez essa
situação não seja assim tão típica) dona de casa, mãe, como pode reclamar de um
marido que, cabeça do casal, provê as necessidades materiais da casa? Como pode
uma mulher que tem sua vida reduzida a um microcosmo doméstico
tradicionalíssimo reclamar, por exemplo, de que falta a emoção de um homem que
a ame?
A mulher apresenta indícios de que a decisão de fugir
fora urdida no decorrer de muito tempo, decerto pela vivência de situações
desagradáveis com seu companheiro. Mas a mulher comove-se com o ar magoado com
que ele se expressa, ela supõe que a decisão tomada tenha lhe causado danos
sensíveis, embora tenha certeza do que irá acontecer: “... o homem nada fará
além de se entregar ao sofrimento.”
Quando se afasta um pouco da filha, para lhe comprar um
pastel, e a menina fica com o pai, nota que será difícil se desatar dos laços
de uma vida em conjunto: “De longe enquadra a cena da filha conversando
animadamente com o pai, muito membros da mesma família.” Cria-se a impressão de
que não se poderá ter um desfecho diferente daquele imposto por usos e costumes
de uma sociedade que, ainda que hipocritamente, não vê com bons olhos a
dissolução de uma união conjugal, mesmo que seja uma união de fachada, porque
basta isso, a fachada, o aspecto exterior, o ilusório rococó de um lar, doce
lar.
À mulher resta apenas satisfazer a fome da filha,
entregando-lhe o pastel, e satisfazer o status quo do macho, entregando-lhe as
malas, para que voltem os três, a família, para casa. O desfecho é o óbvio para
a protagonista, porque “... alguma porta de seu passado acaba de ser fechada.”,
encerrando o seu sonho de liberdade e mudança. Só não se encerra com o
fechamento dessa porta a angústia de uma mulher que não consegue se
desvencilhar de seu destino de submissão.
Ao fim do conto, pode-se inferir algumas ideias acerca do
título. Álgido é um adjetivo tão antigo quanto o sofrimento das mulheres que se
submetem ou são submetidas à opressão de uma sociedade macha. Esse título,
embora seja designado de forma explícita à mulher, generaliza-se com um
pouquinho de coragem interpretativa nos três personagens. O coração é pequeno e
álgido na criança enquanto a situação dos pais está em suspenso. É pequeno e
álgido no homem, apenas de modo momentâneo, enquanto argumenta em favor da
família, sem ter argumentos em prol do amor. É pequeno e álgido na mulher, por meio
do silêncio, do destino, da angústia, da dor, para sempre.
Sim, é um texto, assim como boa parte dos contos de “À
sombra do cipreste”, recheado de meneios literários, por vezes exagerando na
carga emotiva. O que prevalece, no entanto, é a arte de quem domina a escrita e
de quem sabe contar histórias que cativam o leitor. Enfim, o que prevalece é a
literatura, a boa literatura. (Henrique Pimenta)
*** Menalton Braff
participará, com outros escritores de renome nacional, do 1º Encontro Estadual
de Literatura em MS – Literasul
Autor: Menalton Braff
Editora: Global
Preço: R$ 27,00
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