terça-feira, 1 de outubro de 2013

QUESTÕES DE ESTÉTICA DA LITERATURA (70)

Aristóteles
Na caracterização da linguagem literária, o autor vai recusar a ideia de desvio, tão disseminada nos meios acadêmicos, e vai dizer por quê.

Pág. 147 - "Quais as relações existentes entre uma dada língua natural e uma língua literária constituída sobre aquela? Ou, colocando o problema noutro plano, quais as relações existentes entre a gramática que permite descrever e explicar os textos da língua natural e a gramática que permite descrever e explicar os textos da língua literária?
Uma reposta dada com frequência e desde há muitos séculos a estas perguntas é a de que estas relações se podem definir em termos de desvio: a língua literária representa um desvio quando comparada com a língua normal e, por conseguinte, a gramática que permite descrever e explicar os textos literários não se pode identificar totalmente com a gramática da língua normal. Como vimos em 2.I., a concepção da (p.148) língua literária como desvio encontra-se já exposta em Aristóteles e aparece posteriormente formulada, sob formas afins, ao longo de toda a tradição literária europeia. Na teoria literária contemporânea, desde o formalismo russo até à poética gerativa, o conceito de desvio tem continuado a desempenhar um papel relevante na caracterização da língua literária.

A concepção 'desviacionista' da língua literária apresenta, todavia, duas modalidades diferenciadas: uma modalidade débil ou lenificada e uma modalidade forte. Segundo a modalidade lenificada, a língua literária, como escrevemos em 2.I., é concebida como um sermo pulchrior que se constitui, mediante os processos retórico-estilísticos da amplificatio e da exornatio , a partir de uma base linguística reduzida e simples utilizada na chamada linguagem da comunicação normal; segundo a modalidade forte, a língua literária 'viola', 'infringe', 'subverte' as regras da língua normal e, por isso mesmo, apresenta múltiplas 'anomalias' em relação a esta última. A modalidade lenificada da concepção 'desviacionista' da língua literária predominou, em geral, na poética renascentista e neoclássica; a modalidade forte afirmou-se já na poética do maneirismo e em certos aspectos da poética barroca e desenvolveu-se com o simbolismo e, sobretudo, com os movimentos de vanguarda literária que, desde as primeiras décadas do século XX, advogaram a necessidade de provocar uma ruptura violenta com a agonizante cultura romântico-burguesa ainda difusamente prevalecente na Europa.
Conceber a língua literária como 'desvio' implica obviamente determinar e caracterizar a regularidade, o grau zero estilístico e retórico a partir dos quais se institui o desvio.

(CONTINUA)

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